I - INTRODUÇÃO
1.1 - É pelo amor que o homem se une a Deus.
Estava certa pessoa arrebatada em grandíssimo desejo da glória divina e da salvação dos homens...Exercitara-se durante algum tempo na prática da virtude, vivendo habitualmente na cela do autoconhecimento para melhor conhecer a Deus presente em si mesma. Quem ama procura seguir a Verdade e revestir-se dela. Não existe, porém, melhor modo de saborear a Verdade e de ser por ela iluminado, que a oração humilde e contínua, baseada no conhecimento de si e de Deus. Tal oração une o homem a Deus nas pegadas de Cristo crucificado; identifica-o com ele no desejo, na afeição, na união amorosa. Jesus parece afirmar tudo isso quando diz: "Quem ama guarda as minhas palavras e eu me manifestarei a ele; será uma só coisa comigo e eu com ele (Jo 14,21; 17,21). Em outras passagens bíblicas, ainda, encontramos expressões semelhantes, que revelam ser verdade o seguinte: pelo amor, o homem torna-se um outro Cristo!
Para explicar-me melhor, recordo de ter ouvido de uma serva de Deus que, estando em oração, o Senhor não lhe ocultou seu amor pelos seus servidores, mas lho revelou dizendo entre outras coisas: "Usa a tua fé e fixa o pensamento em mim; verás a dignidade e a beleza do homem! Mas além da beleza que lhe provém da criação, presta atenção nestes que estão revestidos com a roupa nupcial da caridade, adornados com tantas e tão belas virtudes. Eles se acham unidos a mim pelo amor. Se me perguntares quem são - assim continuava o doce e amoroso Verbo - direi que são outro eu. Eles destruíram a vontade própria, revestiram-se da minha vontade, uniram-se a ela, a ela se conformaram". Realmente, é pelo amor que o homem se une a Deus.
1.2 - As quatro petições
Desejando conhecer e seguir mais virilmente a Verdade, aquela serva elevou a Deus o seu anseio: primeiramente por si mesma, convencida de que ninguém pode ser de fato, útil aos demais através do ensino, do exemplo e da oração, se não cuidar de si pela aquisição das virtudes. Ela fez quatro petições ao Pai eterno: a primeira por si mesma; a segunda, pela reforma da santa Igreja; a terceira, de caráter geral, pelo mundo todo, sobretudo em favor da pacificação dos cristãos rebeldes que tanto pecam e prejudicam a santa Igreja; na quarta, rogava à Providência divina que cuidasse de todos, sobretudo de um caso particular.
1.3 - Catarina se oferece como vítima
O ardor era grande, contínuo. E aumentou ainda mais quando a Verdade Primeira lhe revelou as necessidades do mundo, mostrando-lhe a sua confusão e pecados. Também uma carta do diretor espiritual ¹ falava de sofrimentos e dor intoleráveis, por causa das ofensas cometidas contra Deus, da condenação eterna de muitos e da perseguição contra a santa Igreja. Tudo isso lhe acendia a chama do desejo santo, num misto de tristeza pelos pecados e de alegria pela esperança de que Deus haveria de dar solução a tantos males.
Como considerasse a eucaristia como o meio mais apto para a união do homem com Deus e maior conhecimento da Verdade - pois na comunhão o homem se acha em Deus e Deus no homem, como peixe no mar e o mar no peixe - aquela serva ansiava pela aurora a fim de ir à missa. Era um sábado, o dia de Maria. Amanheceu. Na hora da missa, sentiu um desejo imenso. Com profundo conhecimento de si, envergonhava-se da própria imperfeição. Parecia-lhe ser a causa de todos os males do mundo. Por essa razão odiava-se com santa justiça, desprezava-se. Esse conhecimento, ódio, justiça, purificaram-na dos pecados que julgava ter, e que de fato lhe estavam na alma.
Dizia: "Ó eterno Pai, dirijo-me a ti para que castigues meus defeitos neste mundo. E porque, pelas minhas faltas, sou a responsável dos sofrimentos que meu próximo padece, rogo-te que bondosamente te desagraves em mim.
¹ O diretor de que fala o texto é o beato Raimundo de Cápua, religioso dominicano.
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