Papolatria
Marco Bongi
Com o termo
"papolatria" deliberadamente exagerado para evidenciar claramente as
distorções, eu não quero absolutamente pôr em causa o sentido de respeito, a justa
reverência, a docilidade ao Magistério e nem mesmo a obediência devida ao Santo
Padre quando exerce, em matéria de fé e moral, seu ensino supremo. Nem se quer
ignorar ou diminuir o Primado de jurisdição ou o poder de governo direto sobre
a Igreja, que a doutrina da Igreja Católica sempre reconheceu ao Sumo
Pontífice.
Antes, eu
estou me referindo, e espero que os críticos vão me desculpar, a uma generalizada
postura psicológica, muito em voga no mundo católico, tanto entre o clero como
entre os chamados "leigos engajados", o que leva, seja como for,
sempre a louvar, além de todos os limites da decência intelectual, qualquer
ato, conduta ou estilo de ação do Papa, apresentando-os invariavelmente, como o
melhor possível, o mais justo em absoluto, o mais correto, a mais acertada solução
possível para com a situação daquele momento.
Quem não se
deparou com comentários do tipo:
" Realmente comoventes e significativas as
palavras da primeira saudação do Papa Francisco do balcão da bênção na noite de
sua eleição: Boa noite ..." ou, para não inferir apenas sobre o Pontífice
reinante, como avaliar os elogios excessivos, escritos e pronunciados muitas
vezes pelos mesmos observadores, que julgaram da mesma forma como "heroico",
"corajoso" e "um sinal de profunda fé no Onipotente", seja
a escolha de João Paulo II de resistir até a morte na Cátedra de Pedro e a
atitude diametralmente oposta de Bento XVI de apresentar a sua demissão?
Tinham
passado, afinal, apenas oito anos, difícil portanto, invocar a mudança no
contexto histórico.
Confrontados
com contradições como essas, os interlocutores ficam muitas vezes
desconfortáveis, mas não se desarmam. Eles invocam a diferença no contexto
histórico, a diversidade de vocações e, sobretudo, mais e mais frequentemente,
o argumento de sabor claramente relativista, que inevitavelmente leva a definir
bom e justo, na mesma medida, também posturas claramente opostas e antitéticas.
Bento XVI
exigia que os comungantes recebessem a Eucaristia ajoelhados. Papa Francisco
nem sequer se ajoelha na consagração ... Será? O que há de errado? São
excelentes ambos os comportamentos ... Enfatizam apenas dois aspectos
complementares da mesma verdade!
João Paulo
II organizava viagens espetaculares e grandiosas sem poupar nenhuma despesa.
Papa Francisco traz sua mala no avião ostentando uma pobreza que toca o
pauperismo ... São apenas dois modos "aparentemente" diversos de
viver o Cristianismo ... Cada um tem sua própria personalidade e Deus certamente,
queria deles o que, naquele momento, eles fizeram.
Mas, podemos
continuar: Bento XVI gostava tanto da música de Mozart ... A tocava sempre com
o piano instalado no apartamento pontifício ... Ele ficava contente de assistir
alguns concertos de música clássica.
Papa Francisco
não só tem, de forma clamorosamente dramática, “dado o pacote" para
aqueles que haviam organizado um concerto em sua homenagem, mas parece mesmo
que se justifica dizendo desdenhosamente, não se sentir como um príncipe da
Renascença.
E que fazem
os nossos comentaristas? Há dois anos nos davam a seguir, com a exaltação da
"profunda sensibilidade" do sucessor de Pedro, a sensibilidade que se
manifesta poderosamente em amor pela música. Hoje, os mesmos personagens, têm
prazer no sentido prático expresso pelo bispo de Roma, que o levou a desprezar
ornamentos inúteis e cerimoniais anacrônicos.
Compreendamos
bem. Papas sempre diferiam muito um do outro, pelo caráter, personalidade e
estilo de vida. O asceta Celestino V levou uma vida diametralmente oposta ao
decidido Bonifácio VIII. O tímido Clemente XIV não se assemelha em nada ao
valente Gregório VII. E o que dizer do mundano Alexander VI em relação ao
piíssimo São Pio V?
Não é
certamente este o problema. A questão está em bem outros termos.
Ninguém pode
me acusar de não sentir "cum Ecclesia" se eu dissesse, por exemplo,
que Calisto III provavelmente foi um
simoníaco; que Alexandre VI levava uma vida amoral; que Clemente XIV se mostrou fraco quando dissolveu a ordem dos
jesuítas, que os papas de Avignon eram propensos aos desejos do rei de França;
que Urbano VIII estava errado, na verdade eu não o penso, em condenar Galileu
Galilei. Alguma crítica, no entanto, é possível formulá-la, sem correr o risco
de "excomunhão", até, e absolutamente não depois, de Pio XII. De 1958
para a frente, em vez ... ai de quem ousasse ventilar, ainda que timidamente, até
mesmo uma pequena reserva sobre os Papas sucessivos!
Todos
perfeitos, todos os insuperáveis, todos os santos! Dentro de alguns séculos
certamente muitos rirão de nosso conformismo oblíquo e acrítico.
Será
bajulação? Será só pouca vontade de se envolver? Será, especialmente para
jornalistas e escritores que ... "Tenho família ..."?
Em
conclusão, podemos de qualquer modo serenamente afirmar que este nivelamento
intelectual não tem nada de autenticamente católico. Uma coisa é o respeito às
doutrinas proclamadas e ao Magistério constante do Romano Pontífice; uma coisa
é a obediência aos comandos dados, a fim de defender e transmitir o Depósito da
Fé.
Bem outra
o servilismo obtuso, a adulação descarada, a exaltação incondicional.
Além disso,
na minha opinião, essas atitudes intelectuais, além de que fazem perder
autoridade a quem as propõe, acabam também por levar, mais cedo ou mais tarde,
à ladeira que leva ao indiferentismo. Quando, de fato, o valor de uma
declaração ou comportamento depende, em última instância, não do conteúdo
intrínseco dos mesmos, mas da pessoa que os faz, se arrisca de não ser
capaz de distinguir o que é verdadeiramente justo e verdadeiro do que é errado
e, portanto, falso.
O juízo não
se baseia, de resto, em fatores objetivos, mas, essencialmente, sobre aspectos
legais exclusivamente ou quase exclusivamente, à pessoa e ao papel que
desempenha.
Felizmente,
os grandes santos, eles sim, verdadeiramente católicos, nos ensinaram a fugir
do "cristianismo de sacristia". São Paulo, Santo Atanásio e São
Catarina de Siena amavam tanto o sucessor de Pedro que, por amor e autêntica caridade
para com ele, não lhe negaram também advertências e repreensões.