20. AS LÁGRIMAS, SUAS ESPÉCIES E FRUTOS.
20.1 - As lágrimas nascem do coração.
Então Deus disse àquela serva: - Filha querida, queres que eu te fale sobre as lágrimas e seus frutos. Não vou desprezar o teu pedido.
Presta bem atenção, que passo a explicar em analogia com os estados da alma descritos acima.
Há lágrimas imperfeitas, que se fundamentam no temor servil. Em primeiro lugar, as lágrimas de condenação, próprias dos pecadores; em seguida, as lágrimas de medo, encontradas naqueles que deixam o pecado mortal por medo de castigo e choram; em terceiro lugar, as lágrimas de autoconsolação, derramadas pelas almas livres do pecado mortal que começam a servir-Me. Estas últimas também são imperfeitas, pois imperfeito ainda é o amor de onde procedem.
Lágrimas perfeitas são as que procedem do homem que atingiu a perfeição do amor pelo próximo e que me ama desinteressadamente. Unidas a estas últimas estão as lágrimas de prazer, espirituais, versadas em grande suavidade, como direi mais longamente depois. Há, enfim, as lágrimas de fogo, espirituais, concedidas àqueles que desejam chorar e não conseguem.
Todas essas lágrimas podem ocorrer numa única pessoa em sua caminhada do temor servil ao amor imperfeito e, depois, do amor perfeito à união. É nessa ordem que passo a falar-te agora.
Deves saber que toda lágrima nasce do coração. Nenhum membro corporal é tão sensível aos impulsos do coração como os olhos; se o coração sofre, logo eles o revelam. Também quando o sofrimento do coração é causado pelos pecados, os olhos derramam lágrimas, que são de morte. São lágrimas de quem vive longe de Mim, no amor dissoluto. Como o coração Me ofende, sua dor produz morte, gera lágrimas mortais. A gravidade da culpa será maior ou menor, conforme a desordem no amor. Assim, os pecadores choram lágrimas mortais. Delas falarei ainda
20.2 - As lágrimas de vida.
§ 1 - Ao reconhecer os próprios pecados, o homem chora por medo de castigo; são lágrimas fundamentadas no apetite sensível e procedem da dor íntima causada pelo temor da pena. Sofrendo assimComeço falando das lágrimas que produzem a vida.
o coração, os olhos choram.
§ 2 - Com a prática das virtudes, a pessoa vai perdendo esse medo. Vê que o medo, em si, não lhe concede a vida eterna - como já ficou dito ao se tratar do segundo estado da alma. Esforça-se, pois, em conhecer-se e conhecer-Me. Aos poucos vai aumentando sua esperança na Minha misericórdia. Arrependimento e esperança alternam-se. Então os olhos choram, com lágrimas a brotar da fonte do coração. Tais lágrimas freqüentemente ainda são de ordem sensível, pois o amor continua imperfeito. Se Me perguntares por que razão, respondo: porque sua raiz é o egoísmo. Não é mais um amor puramente sensível, já superado; é espiritual, mas apegado às consolações espirituais, de cuja imperfeição te falei longamente, ou apegado a alguma criatura. As consolações podem desaparecer por motivos internos ou externos; internos, quando cessa algum conforto concedido por Mim; externos, quando, por exemplo, morre uma pessoa amiga. Desaparecem igualmente pela presença de tentações e dificuldades. Em todos esses casos, a pessoa sofre e o coração, ressentido, chora.
Será um choro de autocompaixão, causado pelo egoísmo. A vontade própria ainda não morreu; são lágrimas sensíveis de autocompaixão espiritual.
§ 3 - Prosseguindo na prática das virtudes e em maior autoconhecimento, a pessoa começa a desprezar-se, a tomar consciência amorosamente dos Meus favores, a unir-se a Mim, a conformar-se à Minha vontade.
Sente, então, alegria e compaixão: alegria interior produzida pela caridade e compaixão pelos outros. Já Me ocupei do assunto ao tratar: do terceiro estado.
O coração acompanha e os olhos derramam lágrimas por Mim e pelo próximo. Sente tristeza a pessoa ante as ofensas cometidas contra Mim e o prejuízo dos ofensores; já não pensa em si mesma; preocupa-se em louvar-Me, deseja sofrer à semelhança do Cordeiro humilde, paciente e imaculado, do qual fiz uma ponte na maneira explicada.
§ 4 - Ao percorrer a ponte-mensagem do meu Filho, a alma passa pela porta que é Cristo (Jo 10,7).
Repleta da verdadeira paciência, dispõe-se a tolerar todas as dificuldades que eu Lhe enviar. Aceita-as com virilidade, sem preferências, do modo que vierem. Mais ainda! Como já afirmei, não apenas sofre com paciência, mas com alegria. Considera uma honra padecer por Minha causa; deseja mesmo sofrer. Por tais caminhos, alcança uma satisfação e paz de espírito tais, que as palavras não conseguem exprimir. Vivendo a mensagem do Meu Filho, o homem fixa o pensamento em Mim, conhece-Me, ama-Me; nas pegadas do pensamento que contempla a natureza divina unida à humana em Cristo, a vontade saboreia Minha divindade, repousa em Mim, oceano de paz. No amor, permanece unida a Mim. Mas de tudo isso já tratei ao ocupar-Me do quarto estado da alma. Pois bem, ao experimentar Minha divindade, os olhos derramam lágrimas de suavidade, verdadeiro alimento que nutre a alma na paciência. Qual perfume, estas lágrimas exalam odor de grande suavidade. Como é feliz, filha querida, o homem que ultrapassou o mar proceloso do pecado e chegou ao oceano da paz, o homem que encheu seu coração com a minha divindade. Qual aqueduto, os olhos satisfarão o coração derramando lágrimas. Este é o último estado, no qual o homem é ao mesmo tempo feliz e sofredor.
Feliz por achar-se unido a Mim, gozando do amor divino; sofredor ao ver que Me ofendem. Age de tal forma por causa do autoconhecimento; foi conhecendo-se e conhecendo-me, que chegou a tal estado.
Este estado de união, fonte das lágrimas de suavidade, não é prejudicado pelo conhecimento de si, proveniente do amor ao próximo, donde recebeu a lágrima do perdão amoroso de Deus e a tristeza pelos pecados alheios; quando chorou com os que choram e sorriu com os que sorriem (Rm 12,15). Estes últimos são as pessoas que vivem no amor; o perfeitíssimo alegra-se ao vê-los dar-Me glória e louvor. Estas segundas lágrimas do terceiro estado perfeito, são as "lágrimas de união" do quarto estado. Estes dois estados (terceiro e quarto) se completam mutuamente. Se o último pranto, causador da união com Deus, não incluísse o terceiro estado - de amor pelos homens - nem seria perfeito. Necessariamente um estado inclui o outro. Em caso contrário, cair-se-ia na presunção pela sutil preocupação da própria fama; das alturas, o homem cairia para a antiga situação de pecado.
Diante desse perigo, ocorre amar o próximo sempre com autêntico autoconhecimento; esse esforço aumentará a consciência do meu amor por si mesmo. A caridade para com o próximo deriva desse amor. Com o mesmo amor que se sente amado, o perfeitíssimo ama o outro; percebendo qual é o objetivo do meu amor, ama-o também. Num segundo instante a alma compreende sua incapacidade de ser-me útil, retribuindo-Me o puro amor ("Puro amor", para Catarina, é amar sem ser amado antes, coisa impossível de realizar-se para com Deus, que desde sempre nos amou.) que de Mim recebe. Reage, amando-Me naquele "meio" que vos dei, o próximo; nele todas as virtudes são praticadas. Todas as qualidades que vos dei, destinam-se ao benefício dos outros, em geral e em particular. É vossa obrigação amar com o mesmo puro amor que eu Vos amo. Não sois capazes de praticá-lo para comigo, já que Vos amei antes de ser por vós amado. Meu amor não tem justificação; amo antes. Foi tal dileção que levou a criar-vos a Minha imagem e semelhança. Sim, amor igual não podeis manifestar relativamente a Mim; praticai-o para com os homens. Amando-os sem serdes amados, amando-os sem interesses espirituais e materiais; amando-os unicamente para o louvor do Meu nome; amando-os porque são amados por Mim. É desse modo que cumprireis o mandamento de "amar-Me sobre todas as coisas e ao próximo como a vós mesmos".
A tais alturas não se chega sem atingir o estado de união, que segue o terceiro. Mas seria impossível conservar tal união Comigo, se se abandona aquele amor das lágrimas do terceiro estado, da mesma forma que não é possível cumprir o mandamento de amar-Me sem cumprir o mandamento de amar o próximo. Eles, (os dois amores) são os dois pés que levam a vivência dos mandamentos e dos conselhos dados por Meu Filho crucificado. Estes dois estados (terceiro e quarto) reduzem-se a um e nutrem o homem na prática das virtudes e na união Comigo. Realmente, não se trata de um novo estado; é o terceiro que se aperfeiçoa em novas, numerosas e admiráveis elevações do espírito, conforme expliquei. Dá-se uma compreensão da verdade que, embora realizada na terra, parece celeste. Em tal união, a sensualidade é dominada e a vontade própria morre.
Como é agradável essa união para quem a desfruta; ao experimentá-la, o homem conhece Meus segredos e chega mesmo a profetizar acontecimentos futuros. São coisas que dependem de Mim, e a pessoa interessada não deve dar-lhes grande valor. Explico-Me: valorize, sim, o que realizo; mas evite comprazer-se por apego pessoal. Que a pessoa se julgue indigna de qualquer sossego e tranqüilidade espirituais. A fim de nutrir sua alma, não se julgue um perfeitíssimo, mas desça ao vale do autoconhecimento. Esta volta ao conhecimento de si é uma graça, destinada a iluminar a alma e fazê-la progredir. Durante esta vida, ninguém é tão perfeito que não possa aperfeiçoar-se no amor. Somente meu Filho, que é vossa cabeça (l Cor 11,3), não podia progredir na perfeição, pois Eu e Ele somos um. Por causa da união com a natureza divina, Sua alma era compreensora. (No sentido de que gozava a visão beatífica)
Vós, ainda peregrinos, sempre podeis crescer. Não que atinjais um estado ulterior, pois o estado de união é o último. Por Minha graça podeis aperfeiçoá-lo segundo vosso desejo.
20.3 - As lágrimas e as fases da vida espiritual.
Conforme teu pedido, expliquei-te as espécies de lágrimas com suas características.
As primeiras são próprias das pessoas que vivem em pecado mortal. As lágrimas brotam do coração; como aqui a fonte está corrompida, o pranto é pecaminoso e mau, bem como todas as demais atividades.
As segundas lágrimas pertencem àqueles que começam a ter consciência dos próprios males e temem os castigos consequentes. Constitui o comum início de conversão, misericordiosamente concedido por Mim aos homens fracos e desorientados que vão se afogando pelo rio do pecado e desprezando a mensagem do Meu Filho. Infelizmente são numerosíssimos os pecadores que conscientes, sem nenhum temor, continuam no pecado. Alguns repentinamente sentem grande descontentamento de si mesmos e passam a considerarem-se dignos de castigos; outros, arrependem-se por terem Me ofendido e com bonomia se põem a servir-Me. De todos eles, certamente têm maior possibilidade de atingir a perfeição aqueles que se convertem com grande ardor; mas esforçando-se todos o conseguirão. Os primeiros terão de preocupar-se em não ficar no temor servil; os segundos, em não cair na tibieza. Trata-se de um acordar geral à santidade. As terceiras lágrimas estão nas pessoas que superaram o temor servil e atingiram o amor e a esperança.
Percebem que lhes perdoei, sentem favores e consolações. Para concordar com o coração, choram. Como são imperfeitas, conforme expliquei, trata-se de um pranto ao mesmo tempo sensível e espiritual.
As quartas lágrimas acontecem com a prática das virtudes. Crescendo o desejo da alma, a pessoa se une e se conforma à Minha vontade; quer o que Eu quero, ama profundamente o próximo. É um pranto de amor por Mim e de dor pelos pecados e prejuízos sofridos pelo próximo.
As quintas lágrimas, próprias da última perfeição, completam as anteriores. Em união com a verdade eterna, estes progridem muito no desejo santo.
Por esse motivo, o demônio os teme e não consegue prejudicar-lhes a alma, seja com ofensas, pois são pacientes na caridade, seja com atrativos espirituais e materiais, por eles humildemente desprezados.
Na verdade, o demônio não dorme jamais. Nisto ele até vos dá lições, vós que sois negligentes e dormis no tempo da messe.
Mas sua vigilância não consegue prejudicar as pessoas que se acham no estado de união, pois ele não tolera o ardor da caridade e a união da alma Comigo. Quem vive em Mim, não pode ser enganado. O diabo evita os perfeitíssimos como o mosquito se afasta da panela que ferve, por medo do calor. Quando a panela se acha fria, o mosquito se engana e cai dentro, encontrando às vezes mais calor do que percebia. O mesmo acontece com os homens. Antes que eles cheguem à perfeição, o demônio os julga frios e atormenta com muitas tentações. Mas se neles houver um pouquinho de entendimento, de fervor e de desprezo pelo pecado, a vontade não consentirá. Alegrem-se aqueles que sofrem; esse é o caminho para se ir até o estado de união.
Já afirmei que o meio de se conquistar a perfeição está no conhecer-se e no conhecer-Me. Ora, se eu estiver na alma, não há ocasião mais oportuna para conhecer-se do que no tempo das contradições. Em que sentido? Vou explicar.
Nas dificuldades, o homem tem mais consciência das próprias forças; compreende que somente conseguirá resistir e libertar-se das tentações se sua vontade for reta; vê que de si mesmo nada é, pois em caso contrário afastaria as tentações indesejáveis. O autoconhecimento, portanto, conduz à humildade e faz recorrer a Mim, Deus eterno, mediante a fé. A pessoa compreende que somente Eu dou a vontade reta, que não consente nas tentações e evita as insinuações más.
Estais certos quando procurais vos fortalecer mediante a mensagem do Meu Filho, o amoroso Verbo encarnado, durante as provações, sofrimentos, adversidades e tentações. Tal atitude aumenta vossa virtude e vos ajuda a chegar à perfeição.
20.4 - As lágrimas de fogo.
Falei sobre as lágrimas imperfeitas e perfeitas, dizendo que brotam do coração. Qualquer que seja o motivo pelo qual se chore, é do coração que todas as lágrimas nascem. Neste sentido, indistintamente podem ser chamadas "lágrimas cordiais". A diferença entre elas encontra-se na qualidade do amor, bom ou mau, perfeito ou imperfeito. Falta-Me responder sobre o caso daqueles que, desejosos de possuir a perfeição das lágrimas, não conseguem chorar. Existe alguma lágrima que não saia dos olhos?
Sim, existe um pranto de fogo, procedente do desejo santo e que faz consumar-se no amor por Mim. Há pessoas que gostariam de chorar na renúncia de si mesmas e no desejo de salvar os outros, mas não conseguem. Relativamente a tais pessoas, afirmo que já possuem a lágrima de fogo, com que chora o Espírito Santo. Sem lágrimas exteriores, elas Me oferecem as aspirações da vontade que deseja chorar. Aliás, se prestares atenção, verás que o Espírito Santo chora em cada servidor Meu que possui o desejo santo e faz orações contínuas e humildes na Minha presença. Ao que parece, foi quanto pretendia afirmar o glorioso apóstolo Paulo, ao dizer que o Espírito Santo chora em Mim "com gemidos inenarráveis" (Rm 8,26), a vosso favor.
O fruto da lágrima de fogo não é menor que o das demais. Muitas vezes, até maior, dependendo da intensidade do amor. Ninguém deve perturbar-se, pois, e julgar-se distante de Mim, só porque não derrama as lágrimas que deseja. Ao desejar lágrimas, ocorre conformar-se à Minha vontade, humilhar-se diante do "sim" e do "não" por Mim pronunciados. Às vezes, deixo uma pessoa sem lágrimas, a fim de que permaneça numa atitude humilde, em oração contínua, desejosa de chegar a Mim. Almas existem que, se conseguissem o que almejam, nem tirariam proveito; sentir-se-iam satisfeitas com a obtenção das lágrimas desejadas e cairiam no egoísmo. É para vosso crescimento que não dou lágrimas exteriores, mas unicamente as do espírito, as do coração, inflamadas na chama da divina caridade. Em todo estado de vida e ocasião, tais pessoas podem agradar-Me. A menos que seu espírito se afaste de Mim por falta de fé e amor. Sou o médico, vós sois os doentes; dou a todos o que é necessário para a salvação e o crescimento de vossas almas.
20.5 - As lágrimas são infinitas.
Conforme acabo de explicar, filha querida, essa é a doutrina sobre as cinco lágrimas. Afoga-te, pois, no sangue de Cristo crucificado, o Cordeiro humilde, sofredor e puro. Esforça-te por crescer nas virtudes, aumenta em ti a chama da Minha caridade. Os cinco tipos de lágrimas são como que canais: quatro deles derramam infinitas espécies de lágrimas, as quais produzem a vida se forem usadas de acordo com a virtude. Infinitas, repito, não no sentido de que tenhais de chorar sem fim nesta vida, mas relativamente ao desejo da alma. Já afirmei que a lágrima brota do coração. É ele que a recolhe no desejo santo e oferece aos olhos.
Como a madeira verde atirada ao fogo; por causa do calor, sua umidade ferve, geme. Com a madeira seca não acontece assim. Igualmente sucede com o coração, quando a graça divina o renova, destruindo a sequidão do egoísmo que enrijece a alma. Amor e lágrimas unem-se no desejo santo. Mas este último, durante esta vida, não tem limites. Quanto mais o homem ama menos acredita estar amando. Dessa forma: o desejo ulterior de amar provoca o pranto.
Quando a alma se separa do corpo e chega até Mim, seu fim último, não deixa o desejo santo; continua a querer-Me e a amar o próximo. A caridade penetrou em si como rainha, levando consigo o merecimento de todas as virtudes. Como já disse, cessa todo sofrimento; ao desejar-Me, a alma Me possui, sem temor de vir a perder o que tanto sonhara. Todavia suas aspirações crescem: ao desejar, é atendida; e ao ser atendida deseja mais, sem ameaça de qualquer fastio. Nem sofre ao desejar ainda. A perfeição é total.
É desse modo que vosso desejo é infinito. Nem poderia ser diferentemente. Se Me servísseis apenas com atitudes finitas, nenhuma virtude vossa alcançaria a vida. Sou o Deus infinito e quero serviço infinito de vossa parte. Mas de infinito só tendes o desejo da alma. Por isso dizia antes que as lágrimas são infinitas; infinitas, por estarem associadas ao desejo santo, infinito.
Depois da morte, a lágrima sensível não acompanha o homem. Mas ele leva consigo os merecimentos do pranto terreno e os consome. Sucede tal como a água que se atira numa fornalha; ela não fica de lado, mas é pelo fogo absorvida e vaporizada. Sim, é quanto acontece com o homem que chega ao céu, para experimentar o fogo da caridade divina, cheio de amor na união Comigo e o próximo, causa de suas lágrimas. Ele não pára de Me oferecer suas aspirações, felizes e lacrimosas; só que não serão mais lágrimas dos olhos, mas lágrimas de fogo do Espírito Santo.
20.6 - Frutos das cinco lágrimas.
Compreendeste agora como as lágrimas são infinitas. Mesmo durante esta vida há tantas maneiras de chorar no estado da união, que tua língua é insuficiente para declará-las. Depois de explicar-te como são as lágrimas nos quatro estados da vida espiritual, falta-Me discorrer sobre os frutos que elas e o desejo santo produzem.
20.6. 1 - Efeitos das lágrimas de condenação.
Começo por aquela lágrima, a que Me referi no começo, a lágrima dos homens que vivem pecaminosamente no mundo, que consideram seu deus as pessoas, as coisas, a própria sensualidade. Essa atitude é para eles a fonte de todos os males na alma e no corpo.
Disse acima que as lágrimas nascem do coração. De fato, o coração chora de acordo com seu amor.
O pecador, por exemplo, chora quando o coração sofre com a perda de um objeto amado. Suas lágrimas são numerosíssimas, conforme a variedade do amor. Achando-se corrompida a raiz interior, que é o egoísmo, tudo nasce corrompido. É como uma árvore, cujos frutos fossem venenosos, as flores pobres, as folhas manchadas e os ramos voltados para o chão, vergastados pelos ventos. Tal é a árvore interior dos pecadores. Vós, porém, deveis ser árvores de amor. Por amor vos criei, sem amor não podeis viver. O homem virtuoso planta sua árvore no vale da humildade; o orgulhoso, na montanha da soberba. Mal plantada, a árvore deste último só produz frutos mortais.
§ 1 - As más ações
Frutos desta árvore são as más ações, carregadas de veneno por muitos e diferentes pecados. Mesmo quando o pecador pratica uma boa ação, não merece para a vida eterna, uma vez que a raiz do egoísmo prejudica tudo. Sua alma, em pecado mortal, não possui a graça.
Mesmo assim, o homem pecador não deve deixar de praticar o bem, pois toda boa obra terá sua recompensa. A boa ação praticada em pecado mortal não merece o céu, mas é paga por Minha justiça. Às vezes, darei bens materiais; outras vezes, como já disse antes ao tratar deste assunto, dou uma vida mais longa para que possa o pecador emendar-se; outras ainda, concedo a vida da graça pelos merecimentos de algum Meu servidor. Foi o que fiz no glorioso apóstolo Paulo, que abandonou a infidelidade e as perseguições ao cristianismo devido às preces de santo Estêvão (At 7,60). Como vês, qualquer que seja seu estado de vida, ninguém deve deixar de fazer o bem.
§ 2 - Os sentimentos maus
Dizia que as folhas desta árvore de morte são podres. Referia-Me aos maus sentimentos do coração. Tais sentimentos internos ofendem-Me e levam a pessoa ao ódio e desprezo pelos outros. Qual ladrão, o pecador rouba-Me a honra, para atribuí-la a si mesmo. São flores apodrecidas, causadoras de náusea pelas duas espécies de julgamento que causam. Primeiro, a Meu respeito. O homem pecador pronuncia-se iniquamente sobre Meus ocultos juízos e mistérios; despreza tudo quanto realizei por amor; nega quanto revelei em Meu Filho; destrói os meios por Mim oferecidos para se alcançar a vida. Tais pessoas tudo julgam e condenam em sintonia com seu parecer enfermiço. O egoísmo cegou-lhes a inteligência, vendou o olhar da fé, impediu-lhes de reconhecer a verdade. Segundo, relativamente ao próximo. Uma fonte de numerosos males. Sem autoconhecimento, o infeliz pecador pretende pronunciar-se sobre o segredo íntimo dos outros. Baseado em comportamentos exteriores, julga os sentimentos do coração. Meus servidores julgam sempre retamente, pois fundamentam-se na Minha bondade; os pecadores, sempre mal, alicerçados que estão na maldade. De seus juízos nascem muitas vezes o ódio, homicídios, desprezo pelos demais, distanciamento de Meus servidores devido ao seu amor pela virtude.
§ 3 - As más palavras
Aos poucos vão aparecendo as folhas, que são as palavras: os pronunciamentos ofensivos a Mim, ao sangue de Meu Filho, prejudiciais aos outros homens. A preocupação dos pecadores é falar mal, blasfemar contra Minhas obras, murmurar contra todo mundo. Consideram como realidade tudo o que seu julgamento sugere. Pobres infelizes, não sabem que a língua foi feita unicamente para Me louvar, para a confissão dos pecados, para a promoção da virtude na salvação dos homens.
Folhas manchadas pela culpa! Tudo isso, porque está sujo o coração donde nascem; cheio de duplicidade e mal. Além de prejudicar o homem com a perda da graça, as palavras suscitam desavenças na vida social. Já ouviste falar que, devido às palavras, aconteceram revoltas nos estados, ruína de cidades, homicídios e muitos outros males. A palavra pronunciada penetra fundo no coração do homem a quem é dirigida, atinge regiões que nenhum punhal alcança.
§ 4 - Os vícios capitais
A árvore de morte possui sete galhos, inclinados para a terra, que produzem flores e folhas. São os sete vícios capitais, responsáveis por numerosos e diferentes pecados, todos eles enraizados no egoísmo e no orgulho. Os frutos são as más ações. Esses galhos - os vícios capitais - inclinam-se para a terra, enquanto tendem unicamente para a frágil e desordenada realidade deste mundo. Inclinam-se para nutrirem-se, incansavelmente, da terra. Os pecadores são insaciáveis e insuportáveis a si mesmos, sempre inquietos a procurar justamente o que não os pode saciar. O motivo por que são insaciáveis é o seguinte: Como pecadores, desejam só as realidades finitas, ao passo que eles, no que se refere ao ser, são infinitos, isto é, jamais deixarão de existir. No máximo perderão a vida da graça por causa do pecado mortal. O homem é maior que as realidades criadas, não vice-versa. Somente estará satisfeito, quando atingir um bem superior a si. Como somente Eu sou maior que o homem, disto decorre que somente Eu, Deus eterno, consigo saciá-lo. Separado de Mim pelo pecado, o homem vive perenemente atormentado e sofredor.
§ 5 - Os vendavais da vida
Ao sofrimento segue o pranto; sobrevêm então os vendavais que açoitam esta árvore de quem ama a sensualidade como razão da própria vida. Os vendavais são quatro: da prosperidade, da adversidade, do temor servil e do remorso.
A prosperidade material alimenta o orgulho, a presunção; leva o pecador a valorizar-se excessivamente e a desprezar os outros. Se for patrão, oprimirá o súdito com muitas injustiças. A prosperidade é ainda causa de vaidade pessoal, de impureza do corpo e do espírito, de desejo de fama, e de muitos outros defeitos. Tua linguagem nem seria capaz de enumerá-los. Seria, então, má em si mesma a riqueza? Não, assim como as outras três realidades de que falo. O que está apodrecido é a raiz da árvore, ruína de todo o resto. Eu, autor de todos os acontecimentos, sou imensamente bom! À prosperidade material pode sobrevir o choro, quando o coração, insaciável, não realiza seus desejos; ante essa impotência, o pecador sofre e chora porque as lágrimas, como disse, nascem do coração.
Segue-se o vendaval do temor servil. Quando um homem tem medo de perder quanto ama, até sua sombra causa-lhe temor. Por exemplo, o medo de morrer, de perder um dos filhos ou qualquer outra pessoa, o medo de ser humilhado, de decair na posição social, de perder a boa fama, a riqueza. Semelhantes temores não permitem ao homem nem conservar em tranqüilidade os bens que possui desordenadamente. Escravo de suas posses, o pecador vive temendo; e como o pecado é privação, a pessoa termina no nada.
Além do medo, os pecadores costumam sofrer adversidades, quais sejam perdas de bens em geral e em particular. Em geral, por ocasião da morte; em particular, pela privação de uma coisa ou outra: saúde, filhos, riquezas, posição social, honras. Tais perdas acontecem quando eu, médico bondoso, julgo proveitoso permiti-ias, da mesma forma como concedera aqueles bens antes.
Por terem o coração corrompido, muitos pecadores impacientam-se, sem procurar compreender. Surgem os protestos, a murmuração, o ódio, o desprezo por Mim e pelos outros. Consideram mal aquilo que Eu dera como bem; apenas lhes conta a dor pelo objeto amado. Diante disso, o pecador costuma cair num pranto angustiado e impaciente, que lhe arruína e mata a alma, privando-a a vida da graça; um choro que cega a pessoa, corporal e espiritualmente: que lhe retira toda alegria, toda esperança. Chora o pecador, porque privado daquilo que constituía seu prazer e o objeto de sua afeição, de sua esperança, de sua fé. Além da lágrima, há outras causas desses grandes inconvenientes; são a afeição desordenada e a angústia do coração, donde a lágrima procede. De fato, não é a lágrima exterior que causa a morte espiritual e o sofrimento, mas sim a raiz donde ela nasce, isto é, o egoísmo do coração desregrado. Quando o coração é bom e possui a graça, o pranto também é santo e alcança de Mim a misericórdia. Dei o nome de "lágrima de condenação" a este pranto, porque manifesta que o coração está morto.
Disse acima que existe também o vendaval do remorso! Como Sou bondoso, sirvo-Me da prosperidade material para atrair amorosamente os homens; do temor servil, a fim de que orientem o coração para a prática das virtudes; da adversidade, para que o homem tome consciência da fragilidade e incerteza das realidades deste mundo. Acontece, porém, que para alguns todos esses meios não produzem efeito; dado que os amo demais, envio então o remorso da consciência. Quero que confessem seus pecados no sacramento da penitência! Quando se obstinam no mal e recusam tal graça, os pecadores acabam na reprovação. Iludem as reprovações da própria consciência, distraem-se com prazeres ilícitos, ofendem a Mim e ao próximo. Com a raiz da árvore apodrecida, tudo secou e a pessoa recai na tristeza íntima, entre lágrimas e angústias. Não havendo conversão enquanto para isso dispõem da liberdade, tais pessoas passarão do pranto da terra para o choro do inferno. Então o finito se mudará em infinito, pois a causa deste último pranto é o ódio infinito pelo bem, em que se fundamentara o pecador.
Os réprobos do inferno, se quisessem, teriam escapado da perdição durante esta vida, através do Meu perdão. Eram livres, mesmo tendo-se dito que seu ódio pelo bem era infinito. A infinitude não se refere à intensidade do amor ou do ódio, mas à duração no tempo. Enquanto estais neste mundo, sois livres de amar ou odiar como quereis; quem encerra esta vida no amor, terá um bem infinito e quem a terminar no ódio, encontrar-se-á num mal interminável, na condenação eterna. Desta já Me ocupei ao tratar daqueles que vão afogando-se pelo rio do pecado. Longe da Minha misericórdia e do amor dos homens, já não poderão querer o bem.
Os bem-aventurados, ao contrário, gozam da Minha misericórdia, amam-se mutuamente e têm o vosso amor de caminhantes desta vida. Aliás, foi para que também vós venhais a Mim que vos coloquei no mundo. Para os condenados de nada servem vossas esmolas e boas obras. São membros separados do corpo que eu constituí na caridade. Recusaram obedecer aos santos preceitos da hierarquia, de quem recebeis nesta vida o sangue do Cordeiro imaculado. Condenaram-se, assim, eternamente em choro e ranger de dentes (Mt 8,12), quais mártires do demônio. Ali recebem do demônio os frutos que para si recolheram. Desse modo, as lágrimas de condenação fazem sofrer nesta vida e dão a companhia interminável dos demônios na outra.
20.6.2 - Efeitos das lágrimas de temor.
Passo a falar dos frutos colhidos por aqueles que, por medo dos castigos, abandonam o pecado para viver em estado de graça. São numerosos os que, pelo temor da pena, param de pecar. É o acordar geral, de que falei. Quais são os efeitos em tais pessoas?
O medo de ser castigado age sobre o livre arbítrio e este procede à limpeza da casa da alma. Tendo-se purificado (na confissão) o homem sente paz em sua consciência, põe ordem nas suas afeições, abre a inteligência para o autoconhecimento. Antes de tal purificação, a inteligência apenas pensava nos pecados; surgem agora as primeiras consolações espirituais. Livre dos remorsos, a alma espera o alimento das virtudes. Acontece-lhe como para o doente após a cura: volta-lhe o apetite. Tocará à vontade preparar-lhe o alimento espiritual.
20.6.3 - Efeitos das lágrimas de autocompaixão.
Livre do medo dos castigos, a alma colhe as segundas lágrimas de vida, com as quais busca o amor e a prática das virtudes. Embora ainda seja imperfeita, a pessoa já não teme; como verdade suma, Eu lhe dou consolações e amor. Por causa de tal consolação e amor, ama-Me docemente a Mim e as demais pessoas. A vivência desse amor na alma purificada pelo temor servil infunde numerosas e variadas consolações. Se perseverar, chegará a sentar-se à mesa do Crucificado, passando do medo ao amor.
20.6.4 - Efeitos das lágrimas de amor.
Ao chegar às terceiras lágrimas de vida, o homem se põe à mesa da santa cruz, nela saboreando o amoroso Verbo encarnado. Meu Filho deseja Minha honra e vossa salvação; por isso, Seu coração foi aberto e se fez vosso alimento. Nesta "mesa" o homem começa a alimentar-se do desejo da Minha glória e da salvação dos homens, bem como a renunciar a si mesmo e ao pecado.
Que frutos recolhe o homem destas lágrimas do terceiro estado? São os seguintes: grandes forças em dominar a sensualidade, verdadeira humildade, muita paciência.
Esta paciência vence toda oposição e liberta o homem dos sofrimentos. Quem faz sofrer é a vontade própria, que é destruída pela renúncia a si mesmo. A paciência domina a sensualidade, que se revolta diante das ofensas, perseguições, ausência de consolações espirituais e sensíveis, tornando o homem sofrido. Com a morte da vontade própria, a pessoa experimenta os frutos da paciência em desejo amoroso e lacrimejante.
Um fruto suavíssimo, como és agradável a quem te possui! Como tu Me agradas! Quem te possui é feliz mesmo na amargura. Nas injúrias, vive em paz. Ao navegar por mares procelosos, quando perigosas ventanias erguem terríveis ondas contra a barquinha da alma, tu vais tranqüila e serena sem danos. Minha vontade eterna te protege, pois te revestiu com a couraça da caridade e impede que a água do pecado penetre em ti!
Filha querida, a paciência é uma rainha encastelada numa fortaleza de rocha; vence e jamais é vencida. Nunca está sozinha, pois a constância lhe faz companhia! Ela é o cerne da caridade, é o sinal de que alguém possui a veste nupcial do amor. De fato, logo que tal "veste" é rasgada, o homem se torna impaciente. Todas as virtudes podem ser falsificadas, parecendo verdadeiras sem o ser diante de Mim. A paciência, aliás, mostra quando uma virtude é viva e verdadeira, enquanto o homem impaciente manifesta a imperfeição dos seus atos, revelando que ainda não se assentou à mesa de cruz. É junto à cruz que se adquire a paciência; quem se conhece e me conhece, conseguirá praticá-la depois com desejo santo e humildade. O homem paciente nunca deixa de Me honrar e de trabalhar pela salvação dos outros, dedicando a isso o próprio tempo.
Ó filha querida, a paciência encontrava-se nos mártires, que mediante os sofrimentos salvaram outros; suas mortes foram fonte de vida, ressuscitando mortos e expulsando as trevas do pecado mortal. Na força desta virtude rainha, eles venceram o mundo com seus atrativos; com seus recursos, os poderosos não conseguiram derrotá-los. A paciência é uma lâmpada sobre o candelabro.
Tal é o fruto produzido pela "lágrima de amor", na pessoa que conseguiu sentar-se à mesa do Crucificado, cheio de desejo santo e com intolerável dor pelas ofensas cometidas contra Mim, seu Criador. Mas não é uma dor angustiante. A angústia já cessara, quando o amor paciente destruiu o temor servil e o egoísmo, únicos fatores que fazem sofrer. A dor sentida é uma dor que conforta, pois nasce da caridade e é causada pelo conhecimento de pecados contra Mim e de danos sofridos pelos pecadores. É um sentimento que brota do amor e enriquece o homem; algo que alegra, algo que revela Minha presença na graça.
20.6.5 - Efeitos das lágrimas de união.
Tendo-Me ocupado sobre os frutos das terceiras lágrimas de vida, resta-Me o quarto e último estado, o da união. Este, como já disse, não existe como que separado do anterior. Ambos coexistem, como acontece com o amor pelo próximo e o amor por Mim; um reforça o outro. Neste quarto estado, aumenta tanto a caridade, que o homem não somente suporta as dificuldades pacientemente, mas deseja-as com alegria, como ficou explicado acima. Desejoso de configurar-se a Cristo crucificado, renuncia a toda satisfação pessoal, de qualquer tipo que seja.
Fruto desta lágrima de união é a quietude do espírito, uma comunhão contínua Comigo em grande prazer. Qual criança no colo da mãe, com a boca colada ao seio sugando o leite, assim a alma, neste estado, descansa no seio do Meu amor e, pelo desejo santo, alimenta-se do Crucificado pelos Seus exemplos e mensagens. Durante o terceiro estado a alma aprendera que não devia fixar-se unicamente em Mim, Pai eterno, porque em Mim não há sofrimento; que devia imitar Meu Filho, o doce e amoroso Verbo encarnado.
Vós não deveis viver sem a dor; é tolerando muita dificuldade que atingis o aprimoramento da virtude. Esse aprimoramento é alcançado no Coração de Cristo, sede do amor. É ali que as almas buscam a força da graça, experimentando a divindade. Antes disso, as virtudes não possuem suavidade; ela chega com a união no Meu amor, ou seja, quando o homem deixa de preocupar-se com os próprios interesses, visando apenas Minha glória e salvação alheia. Filha querida, como é agradável e grandioso este estado da alma! Nele o homem se une muito estreitamente ao amor divino. Como está a boca da criança para o seio materno, e o seio materno para o leite que sustenta, assim está a alma para com Cristo crucificado e para Comigo, onde acha o alimento da divindade. Oxalá se entendesse como aqui as faculdades se enriquecem. A memória lembra-se de Mim permanentemente, atenta aos Meus benefícios; mas ela se fixa menos sobre os benefícios, do que no amor com que os dei. De maneira particular a memória considera o dom da criação, pelo qual o homem surgiu do nada à Minha imagem e semelhança. Quando estava no primeiro estado, a consciência de tal favor levara a alma a reconhecer a ingratidão em que vivia e a abandonar o pecado por graça do sangue de Cristo. Em tal sangue Eu vos recriei, Eu vos lavei da lepra do mal. Ao passar para o segundo estado a alma recebera grande consolação no amor, bem como o desgosto pela culpa com que Me ofendera, pois foi por esse motivo que fiz sofrer Meu Filho. Continuando, a memória se lembra da efusão do Espírito Santo, que a iluminara - e ilumina ainda - na verdade. Quando isso aconteceu? Após ter reconhecido os dons divinos concedidos durante o primeiro e segundo estados. É no terceiro que se dá a iluminação completa, mediante a qual vê que por amor criei o homem no intuito de dar-lhe a vida eterna. Revelei-vos tal verdade no sangue de Cristo. Consciente disso tudo, o homem ama-Me, gostando do que Eu gosto, desprezando o que desprezo. Descobre assim no próximo o "meio" para amar. É no coração de Cristo que a memória supera toda imperfeição e enche-se da recordação dos Meus favores. Com a perfeita iluminação, a inteligência perscruta tudo o que a memória retém, conhecendo a verdade. Uma vez superada a cegueira do egoísmo, ela contempla o sol que é Cristo crucificado e O reconhece como Deus e Homem. Por ocasião da união Comigo, recebera uma ulterior iluminação infusa, dom gratuito Meu, que não desprezo os ardentes desejos e esforços da alma. A vontade segue a inteligência, une-se à sabedoria infusa com um amor perfeitíssimo, muito ardente. Se Me perguntassem o que aconteceu numa pessoa assim, eu responderia: tornou-se um outro eu na caridade!
Que língua seria capaz de narrar a excelência deste último estado - a união -, e descrever os efeitos produzidos nas três faculdades humanas, inteiramente realizadas? Aqui acontece aquela "unificação" das faculdades por Mim mencionadas ao falar dos três graus (gerais), comentando uma expressão bíblica. Não, a linguagem humana não é capaz de a descrever! Dela falaram os santos doutores, quando a iluminação infusa os fez explicar a Sagrada Escritura. São Tomás de Aquino, por exemplo, adquiriu sua sabedoria mais na oração, no êxtase e na iluminação da mente do que no estudo humano. Foi uma lâmpada por Mim colocada na hierarquia da santa Igreja a dissipar as trevas do erro. São João evangelista, quanta luz recebeu ao reclinar-se sobre o peito de Cristo (Jo 13,25). Com essa luz desde então, e durante muitos anos, pregou o evangelho. E se considerares um por um os santos doutores, todos eles revelaram tal luz, cada um a seu modo. Mas ser-te-ia impossível descrever o sentimento profundo, a suavidade inefável, a perfeita comunhão!
É a isto que Paulo se referia quando afirmava: "Os olhos não podem ver, nem os ouvidos escutar, nem a mente pensar quão grande prazer e que perfeição estão preparados, no final, para aquele que realmente me serve" (1Cor 2,9). Como é agradável, acima de todo outro prazer, a permanência do homem em Mim pelo amor! A vontade própria já não põe empecilhos, pois se tornou uma coisa Comigo. Essa pessoa espalha seu perfume pelo mundo inteiro, qual efeito de suas orações contínuas e humildes. É o perfume do amor, a clamar pelos irmãos diante de Minha divina majestade na voz do próprio silêncio!
São esses os frutos da união nesta vida, entre lágrimas e suores, no último estado da vida espiritual.
Se a pessoa perseverar, passará, um dia, dessa união imperfeita como união, mas perfeita quanto à graça, à perfeita união celeste. Enquanto se encontra no corpo, o homem não atinge tudo o que deseja; estará preso a uma "lei perversa", cuja força as virtudes adormecem, mas não destroem. Essa lei poderá até acordar, caso seja retirado o controle que a mantém dormindo. Eis a razão por que disse que a união presente é "imperfeita". Mas é ela que conduz a pessoa à vida eterna, à vida impossível de se perder, como já disse ao falar dos bem-aventurados, junto aos quais o homem gozará da comunhão Comigo na vida sem fim. As almas que forem para o céu, terão a vida eterna; os demais terão a condenação como punição de seu pranto pecaminoso.
Os primeiros, dos sofrimentos desta vida passarão à alegria; a vida eterna será a recompensa de suas lágrimas de amor. No céu, como já afirmei, continuarão a oferecer-Me lágrimas de fogo em vosso favor.
Concluo assim Minhas palavras sobre as lágrimas, suas qualidades e seus efeitos. Umas conduzem os perfeitos ao céu, outras levam os maus à perdição!