EDITORIAL DEL NÚMERO 141
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UMA NOVA ERA?
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Algumas semanas atrás ressoava no alto da loggia de São Pedro em Roma a famosa frase: "Habemus papam!" Acabava de ser eleito o Papa Francisco. Desde então, os meios de comunicação não param de dizer que se inaugurou uma nova era para a Igreja. Com o novo Sumo Pontífice –proclamam– a Igreja de Cristo vai voltar à fonte límpida e refrescante da autêntica pobreza e da simplicidade evangélica. Adeus à mozeta e aos paramentos primorosamente adornados; adeus ao cerimonial pontifical triunfalista e viva o regresso à simplicidade da “Igreja pobre para os pobres”!(1) O mundo aplaude calorosamente, enquanto o seu predecessor Bento XVI é lançado às profundezas do esquecimento, mesmo que ainda vivo. Esse despojamento iniciado e alentado pelo último concílio, o Vaticano II, parece ter alcançado seu cumprimento com o Papa Francisco, pois, diferentemente de seu predecessor, o novo Papa faz muito poucas alusões diretas ao Vaticano II: simplesmente o vive! É o primeiro sucessor de São Pedro que nunca celebrou a Missa tradicional, já que foi ordenado em dezembro de 1969, poucas semanas depois da imposição do Novus Ordo Missae. O Cardeal Bergoglio foi um homem totalmente embebido do espírito do concílio, em cuja fonte alimentou seu sacerdócio. Assim como o Vaticano II quis centrar-se inteiramente no homem, o Cardeal centrou também sobre o homem o seu apostolado, orientando-o à luta contra a pobreza, contra a injustiça e contra a corrupção. Fê-lo com um convencimento real, ganhando para si uma grande popularidade entre os desfavorecidos, juntando a isso uma vida simples e austera. Animado pelo mesmo espírito, na última Quinta-Feira Santa, como “bispo de Roma”, foi celebrar a missa em uma prisão romana de menores para lavar ali os pés de uns jovens prisioneiros, entre os quais duas jovens, das quais uma era muçulmana! Estamos na presença de um populista militante. Para quem foi o primaz da Argentina, qualquer fasto cria uma barreira entre os pobres e a autoridade, razão pela qual seria preciso simplificar ao máximo tudo o que se possa simplificar... Como, segundo ele, a liturgia tem por finalidade reunir os homens e manifestar-lhes a ternura de Deus, urge suprimir toda solenidade, ouro e incenso, e retornar à simplicidade do Evangelho. Não se trata tanto de uma falta de bom gosto ou de uma ausência de cultura litúrgica, mas da concretização de uma doutrina vivida, aquela que o Vaticano II pregou e que ele aplica com toda a sua lógica. Este mesmo pensamento é o que vive no Papa Francisco desde sua eleição e que o guia através do diálogo inter-religioso e do ecumenismo, acerca do qual diz que “quer dar-lhe prosseguimento na linha de seus predecessores”.(2) As religiões, sejam quais forem, estão ao serviço do homem e devem unir-se para realizar o plano de Deus sobre a humanidade. Têm de reunir-se e trabalhar juntas para defender as causas universais em perigo, como o respeito pela vida, a ecologia, a paz e a luta contra todas as exclusões que provocam miséria e injustiça. Esse movimento ecumênico e inter-religioso se orienta à ação, e não pode ser de modo algum um chamamento à conversão para entrar na Igreja Católica, única arca de salvação... No sermão da missa que celebrou diante de seus cardeais no dia seguinte à sua eleição, o Papa pronunciou belas palavras sobre Nosso Senhor Jesus Cristo, fora de quem não pode haver um apostolado fecundo. Sem Ele, disse, “a Igreja não seria mais que uma ONG”. Mas alguns dias mais tarde, durante a reunião em que recebeu os responsáveis de todas as religiões, o Papa Francisco pediu às religiões que se unam para salvar os valores essenciais, sendo que uma grande parte dos chefes religiosos que assistiam não reconhece a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo... Não há aqui uma contradição? Tal contradição é, por desgraça, o próprio do modernismo que São Pio X denunciava. Esse diálogo, saibamos bem, será mais efusivo do que nunca, como já tinha mostrado tantas vezes em Buenos Aires! Ao contrário de seu predecessor, o Papa Francisco já não vai falar da hermenêutica da continuidade do Vaticano II com a Tradição, nem vai tratar de demonstrá-la. Vai assumir sem nenhum complexo essa ruptura que a FSSPX vem denunciando desde sua fundação. Como se afasta tudo isso da teologia católica ensinada pelos Papas até Pio XII! O Sumo Pontífice, por função própria, deve defender, explicar e transmitir o depósito da fé que recebeu de Cristo. Essas atitudes novas, ensinadas e praticadas desde mais de 50 anos pelos sucessivos Papas, provêm de uma doutrina nova que está em ruptura com o que expressou o Concílio Vaticano I falando da função do Papa: “O Espírito Santo não foi prometido aos sucessores de Pedro para que por revelação sua manifestassem uma nova doutrina, senão para que, com sua assistência, santamente custodiassem e fielmente expusessem a revelação transmitida pelos Apóstolos, isto é, o depósito da fé”.(3) O Pontífice recém-eleito deve entrar no cargo que recebeu, e não adaptá-lo a seus gostos pessoais. Esse cargo o transcende. Em caso contrário, correria o risco de dessacralizá-lo. Desde o momento de sua aceitação, o Papa já não pertence a si mesmo. Converte-se em Vigário de Cristo, ou seja, na maior autoridade sobre a terra. O fato de levar as insígnias pontifícias, o fasto do protocolo e das cerimônias a que preside protegem essa autoridade, manifestam os dons que recebeu de Deus e dão alegria e orgulho aos membros da Igreja. Assim se manifesta a virtude da magnanimidade que deve haver no Papa, isto é, sua grandeza de alma, que provém da virtude da fortaleza, da qual tanto vai necessitar para cumprir fielmente sua missão e que terá de mostrar em face de um mondo hostil. Além disso, é necessário que queira ser Papa e não unicamente bispo de Roma... São Tomás de Aquino diz que recusar essas honras legítimas é algo repreensível.(4) O que não impede que o Romano Pontífice manifeste simplicidade e bondade em suas relações com os demais, pelo contrário. Suas qualidades pessoais e sua santidade devem edificar e servir de irradiação do papado no mundo. Da virtude da magnanimidade deve derivar-se a da magnificência: “ver e fazer grande” para a glória de Deus e honra da Santa Igreja. Assim é como se explica o fasto dos ofícios pontifícios e da liturgia católica, que tem como finalidade honrar a Deus e reproduzir na terra algo da liturgia celestial. Como o Santo Cura d'Ars possuía essa magnificência, exclamava: “Não há nada que seja belo demais para Deus!” Acaso não teriam os pobres, precisamente porque são pobres, direito de assistir a formosas cerimônias litúrgicas que tributam dignamente glória a Deus e que os elevam por sobre seus infortúnios? O esplendor da liturgia transcende os séculos e as pessoas. Constitui o patrimônio da Igreja oferecido a todos os seus filhos, para ajudá-los a louvar a Deus e atrair sobre si as divinas bondades. A solenidade da liturgia manifesta a fé que anima a Igreja Católica. Essa magnanimidade e magnificência brilharam de modo exemplar em São Pio X, que provinha de um meio social modestíssimo. Aceitou todas as honras exteriores devidas a seu cargo em prol do bem da Igreja, ainda que sua humildade pessoal sentisse repugnância por isso, conservando ao mesmo tempo uma pobreza edificante no pessoal. Seu ensinamento foi de grande firmeza, unida a uma admirável bondade para com os que se aproximavam dele. Sob seu pontificado, a Igreja conheceu uma grande irradiação. Salvou-a de muitos perigos interiores e exteriores, sobretudo do modernismo. Foi um Papa a que todos amavam e admiravam, sendo respeitado pelas potências, mas temido e odiado pelos inimigos da Igreja, que nunca lhe perdoaram a firmeza doutrinal e diplomática que acabou desbaratando os planos deles. Pois – temos de recordá-lo? – a autoridade não se recebe para agradar aos homens, senão para propagar a verdade e o bem, e denunciar o erro e impedir o mal, tal como ensinava São Paulo: “o príncipe é ministro de Deus posto para o teu bem. Mas se obras mal, treme, porque não é debalde que ele cinge a espada, sendo como é ministro de Deus, para exercer sua justiça castigando o que obra mal”.(5) “Recapitular em Cristo todas as coisas”, como dizia São Pio X, ou seja, trabalhar para a reconstrução do reinado social de Cristo. Trata-se de um programa radicalmente oposto às máximas do último Concílio; é, ademais, o único programa que poderá salvar a Igreja da crise que hoje a abruma e trazer a paz e a prosperidade das nações. O novo Papa deveria inspirar-se em seu santo predecessor e deveria ter presente ante seus olhos aquelas outras palavras de São Paulo: “Se ainda buscasse agradar aos homens, não seria servo de Cristo”.(6) Bastaria a santidade pessoal de um Pontífice ou de um membro da hierarquia católica para tirar a Igreja da crise? Dom Lefebvre, em seu livro A Vida Espiritual, responde de modo muito claro a essa pergunta: “Talvez alguém me diga: «o senhor está exagerando! Cada vez há mais bispos bons que rezam, que têm fé, que são edificantes...» Ainda que fossem santos, desde o momento em que aceitam a falsa liberdade religiosa, e por conseguinte o Estado laico, o falso ecumenismo (e com isso a existência de várias vias de salvação), a reforma litúrgica (e com isso a negação prática do sacrifício da Missa), os novos catecismos com todos os seus erros e heresias, eles contribuem oficialmente para a revolução na Igreja e para sua destruição. “O Papa atual e esses bispos já não transmitem Nosso Senhor Jesus Cristo, mas sim uma religiosidade sentimental, superficial, carismática, pela qual já não passa a verdadeira graça do Espírito Santo em seu conjunto. Essa nova religião não é a religião católica; é estéril, incapaz de santificar a sociedade e a família. “Uma coisa apenas é necessária para a continuação da Igreja católica: bispos plenamente católicos, que não façam nenhum compromisso com o erro, que estabeleçam seminários católicos, onde os jovens aspirantes se alimentem com o leite da verdadeira doutrina, ponham a Nosso Senhor Jesus Cristo no centro de suas inteligências, de suas vontades, de seus corações, unam-se a Nosso Senhor por meio de uma fé viva, uma caridade profunda, uma devoção sem limites, e peça como São Paulo que se reze por eles, para que avancem na ciência e na sabedoria do «Mysterium Christi», no que descobrirão todos os tesouros divinos. (...) O mal do Concílio é a ignorância de Jesus Cristo e de seu Reino. É o mal dos anjos maus, o mal que encaminha ao inferno”.(7) Caberia desesperar-se e lamentar-se dessas desgraças de nosso tempo? Claro que não! Isso seria algo estéril e oposto ao espírito católico, pois, como diz a Sagrada Escritura, “abyssus abyssum invocat”,(8) o abismo da prova atrai sobre os que amam a Deus a superabundância da graça. Não se deve desanimar. Como pediu Nossa Senhora de Fátima, rezemos agora mais do que nunca pelo Papa e ofereçamos penitências por ele, para que o Espírito Santo o ilumine, o guia e lhe dê forças para restaurar a Tradição, que é a única que pode salvar a Igreja. Isso constitui um dever para cada um de nós, tanto sacerdotes quanto leigos. Agora mais do que nunca temos um dever de santidade, para que em meio às trevas brilhe em nossas almas a imagem do Redentor. Cristo deve reinar em nós, em nossos lares e em todas as nossas atividades. Assim é que Deus se deixará comover e se apressará a escutar nossas orações, vendo refletir-se em nossas almas o seu amado Filho. Finalmente, estudemos os princípios que devem guiar-nos no rude combate da fé no qual estamos envolvidos. Para ajudar-lhes nisso, foi publicado em português o Catecismo católico da crise na Igreja, escrito pelo Padre Gaudron, da FSSPX, que teve grande difusão no distrito da França, e que os ajudará a entender melhor o que é a revolução religiosa que estamos vivendo e lhes proporcionará argumentos para responder às objeções que os outros costumam apresentar contra nós. Ânimo, queridos amigos! Continuemos todos trabalhando com perseverança no serviço de Cristo Rei, com Fé, Esperança e Caridade, distantes dos rumores e na claridade da verdade. Não nos esqueçamos de que a Páscoa segue muito de perto o Sábado Santo! A paixão da Igreja acabará na hora que Deus quiser. Não lhes escrevo isso com otimismo ingênuo, senão com confiança nestas palavras de nosso Salvador: “No mundo tereis tribulações, mas tende confiança: Eu venci o mundo”.(9) Que Deus os abençoe!
Padre Christian Bouchacourt Superior de Distrito América del Sur
(1) Papa Francisco, 14 de março, discurso aos cardeais no dia seguinte à sua eleição. (2) Papa Francisco, durante a audiência de 20 de março às diversas confissões cristãs e às outras religiões. (3) Pio IX: “Pastor Æternus”, 18 de julho de 1870, 4ª sessão do Concílio Vaticano I. (4) II-IIae, questão 129, artigos 1 e 3. (5) Romanos, 13, 3-4. (6) Gálatas, 1, 10. (7) Dom Lefebvre: “A Vida Espiritual”, prólogo. (8) Salmo 91, 8. (9) João, 16, 33. |