18 . DEUS PAI EXPLICA COMO ATINGIR A PERFEIÇÃO (Cont. 2)
18.3.2 - Desapego das consolações.
Deve o cristão entusiasmar-se varonilmente pela oração que é uma verdadeira mãe. Isto acontece quando ele se fecha na cela do autoconhecimento, depois de atingir o amor-amizade e o amor filial. Quem não percorre tais etapas, permanecerá sempre na tibieza e na imperfeição, amando a mim e ao próximo por interesses pessoais, na procura de consolações. Sobre tal amor imperfeito quero discorrer agora, sem ocultar-te uma ilusão decorrente desse apego às consolações.
Desejo que o saibas: o servidor que me ama na imperfeição procura mais as consolações sensíveis que a minha divindade. É a atitude da pessoa que se perturba quando desaparecem o prazer espiritual e a tranquilidade de vida. Muitos vivem virtuosamente quando estão na prosperidade; desorientam-se na prática da virtude se lhes mando alguma dificuldade. Quando alguém lhes pergunta: Por que está perturbado?", respondem: "Porque estou em tal ou tal contrariedade; parece-me que estou perdendo o pouco de bem que faço. Já não tenho aquele entusiasmo e aquele amor de antes, por causa desta dificuldade. Acho que, na tranquilidade anterior, tirava mais proveito que agora.".
Enganam-se tais pessoas relativamente àquela "tranquilidade anterior". Não é a contrariedade que lhes traz menor amor e menor dedicação. Em si mesmas, as ações possuem idêntico valor na aridez de espírito e no fervor. Aliás, com a aridez as ações podem até valer mais, se as pessoas tivessem paciência. Mas elas se perturbam, pelo fato que antes sentiam maior prazer. Na verdade, antes me amavam pouco e viviam com a consciência tranquila na prática de pequenas boas obras. Retirado o ponto de apoio, crêem ter perdido o sossego do próprio agir. Com tais pessoas acontece como ao jardineiro, satisfeito no seu trabalho por causa do prazer que sente. Labutar no jardim parece-lhe um descanso; estar no meio das flores, uma satisfação. De fato, ele se alegra mais com as flores do que com o trabalho. Se lhe retirarem as flores, o prazer acabará. Também aquelas pessoas! Se sua principal alegria se concentrasse na prática do bem, não cairiam na perturbação. Alegrar-se-iam até, pois quem realmente deseja uma coisa jamais poderá ser impedido de realizá-la; mesmo que a privem da satisfação que acompanha sua atividade, como no caso das flores. Enganam-se essas almas colocando o alicerce de suas atividades nas consolações, pois dizem: "Antes de entrar nesta aridez, eu agia melhor e com mais prazer; a prática do bem me ajudava. Agora já não me favorece, não sinto mais gosto".
É errado tal modo de pensar e falar. Nada diminuiria em tais almas, se elas se comprazessem no agir virtuosamente por causa da virtude em si, até acresceriam seus esforços. Na realidade agem por egoísmo e então tudo se acaba. Tal é o engano em que caem muitos na vida virtuosa, proveniente das consolações sensíveis.
Costumo recompensar toda boa ação e com maior ou menor liberalidade conforme a medida do amor de quem a pratica; por isso, concedo consolações espirituais aos meus servidores imperfeitos, durante a oração. Ajo de tal forma, não para que apreciem tais satisfações erroneamente, isto é, atribuindo maior valor ao dom que ao doador, que sou eu. Meu desejo é que tomem consciência do meu amor e da própria indignidade, deixando o prazer em segundo plano. O engano consistirá em agir diversamente.
18.3.2.1 - A rotina das consolações.
Um primeiro engano consiste na procura de determinada satisfação espiritual para nela se comprazer. Tendo-a experimentado antes, a pessoa começa a agir sempre do mesmo jeito para obter idêntico prazer. Na verdade, eu não sigo sempre as mesmas estradas, como se fosse coagido a dar consolações e gostos. Concedo-as diversificadamente segundo meu beneplácito e as necessidades humanas. Mas há gente sem discernimento, que continua a procurar a consolação naquele modo, com a pretensão de impor leis ao Espírito Santo. Atitude errada! Deveriam isto sim, caminhar varonilmente pela ponte-mensagem de Cristo crucificado, aguardando os dons na modalidade, tempo e lugar que eu quisesse enviar. Se nada concedo, faço tal coisa por amor, nunca por maldade. Quero que os homens me procurem por mim mesmo, não por motivo das consolações que propicio; quero que acolham humildemente meu amor sem pensar muito nas satisfações. A atitude contrária produz sofrimento e perturbação no momento em que faltar a consolação, objeto de tanta preocupação. Tais pessoas querem conforto sob medida; tendo experimentado um prazer espiritual, pretendem repetir a mesma sensação. Alguns são de tal modo ignorantes que, se os visito de um modo diferente, recusam-me! Somente aceitam aquela modalidade costumeira. É um defeito inerente à própria paixão e defeito espiritual em si; é uma ilusão, pois como não pode alguém deter-se num único método, mas haverá de progredir na virtude ou voltar atrás, assim não pode o espírito fixar-se num determinado gozo espiritual por mim concedido, como se minha bondade não pudesse dar outro.
Concedo consolações de diversas maneiras: uma vez será contentamento; outra vez arrependimento que agita interiormente; vezes há que me torno presente na alma sem que ela o perceba, pois faço estar no espírito a pessoa de meu Filho em vários modos: ora sentirá na profundidade da alma grandíssimo prazer, ora nem o perceberá, como se poderia esperar. Realizo todas essas coisas por amor; quero que o homem progrida na humildade, na perseverança; quero ensinar-lhe a não ditar regras (ao Espírito Santo), a não considerar as consolações como uma finalidade. Quero que alicerce em mim sua virtude; que aceite os acontecimentos e meus dons com humildade. Quero que acreditem no seguinte: que concedo as consolações espirituais de acordo com as necessidades da sua santificação e aperfeiçoamento.
18.3.2.2 - O egoísmo espiritual.
Acabo de falar sobre o engano em que caem aqueles que desejam viver interiormente consolados com minha presença. Passo a ocupar-me de uma outra ilusão: a das pessoas que colocam toda sua satisfação na busca das consolações e não socorrem os outros em suas necessidades espirituais ou materiais sob pretexto de virtude. Dizem assim: "Quando vou ajudar os outros, não consigo rezar as preces de horário". Acreditam ofender-me quando não sentem consolação interior. Na realidade enganam-se quanto ao sossego do espírito e ofendem-me muito mais não socorrendo o próximo, de que se de fato perdessem a paz da alma.
É meu desejo que todas as orações, vocais ou mentais, levem a pessoa ao perfeito amor por mim e pelo próximo. Dessa maneira, peca mais quem se descuida do amor pelo outro a fim de orar, do que aquele que, por causa dos outros, deixa de orar. No próximo, o homem sempre me encontra; não, porém, na satisfação pessoal em que me procura. A ausência de ajuda ao irmão, ipso facto faz diminuir a caridade fraterna e o amor por mim. Querendo ganhar, a pessoa sai perdendo. Mas ao "perder", ganha, isto é: ao renunciar ao conforto espiritual no esforço de salvar o próximo, lucra em mim e no próximo; ao prestar serviço ao outro na caridade, experimenta toda a doçura do meu amor. Pelo contrário, sai-se mal quando recusa auxiliar os demais. De fato, um dia ou outro terá que ajudá-lo, por amor ou por dever, seja nas enfermidades do corpo, seja do espírito. Então falo-á de má vontade, com tristeza íntima e remorso de consciência, tornando-se insuportável a si mesmo e aos demais. Em tal ocasião, se alguém lhe perguntar: "Por que estás tristonho?", responderá: "Porque perdi a paz e a tranquilidade de espírito; deixei de fazer muitos atos a que estava habituado e julgo que ofendi a Deus".
A realidade não é essa. Tal pessoa não sabe discernir onde se encontra realmente seu pecado, pois sua preocupação fixou-se na procura de consolações interiores. Oxalá entendesse que o pecado não está na privação do consolo espiritual, nem na ausência de oração quando alguém precisa de auxílio, mas na ausência de amor pelo outro, a quem é preciso ajudar por meu amor. Como vês, o engano consiste no egoísmo espiritual.
Outro tipo de egoísmo existe, semelhante, que pode causar prejuízos ainda maiores. Costumo dar a meus servidores gáudio espiritual e visões. Se alguém unicamente se preocupar na obtenção de tais favores, acabará por cair na amargura e no tédio no momento que notar sua ausência progressiva; cada vez que eu não o der, julgarão que perderam a graça. Já afirmei que costumo visitar e ausentar-me do homem no tocante às consolações - sem prejuízo do estado de graça - a fim de levar a pessoa à perfeição. Em tais circunstâncias, muitos mergulham na tristeza e sentem-se num inferno, porque não mais experimentam os prazeres da mente, substituídos pelo tormento das tentações.
Ninguém deveria ser tão ignorante assim, deixando-se ludibriar pelo egoísmo sem compreender a realidade. É preciso discernir quando estou presente, compreender que sou o sumo bem, aquele que dá a boa vontade no tempo das batalhas! Que não se fique correndo atrás de consolações! Humilhe-se o homem, considere-se indigno de viver no sossego e quietude de espírito. Aliás, é por isso que me afasto. Desejo que a pessoa seja humilde, que tenha consciência da minha caridade, que note a retidão interior que lhe concedo na hora da dificuldade. Quero que beba o leite espiritual não somente por borrifos na face da alma, mas sugando diretamente no coração do meu Filho. Juntamente com tal leite, quero que coma sua carne; que procure consolações no corpo do crucificado, vivendo sua mensagem, que transformei numa ponte que vos conduza até mim.
Eis as razões por que me afasto durante a aridez do espírito. Se os homens caminharem com prudência, não parando estupidamente na procura de consolações, retornarei depois com imensa delícia, força, luz, ardor de caridade. Os que sentirem rebeldia e tristeza pela ausência de consolações, pouco aproveitarão e continuarão em sua tibieza.
18.3.2.3 - O diabo em forma de luz.
Pode acontecer ainda que alguém caia num quarto engano, quando o demônio se apresenta em forma de luz. Costuma ele tentar os homens de acordo com as disposições espirituais que neles encontra. Por tal motivo, ninguém deve desejar satisfações e visões espirituais; aspire-se somente pela virtude. Na humildade, cada um se julgue indigno de tais coisas; se as receber, comporte-se segundo a caridade. O diabo é capaz de mostrar-se numa figura de luz, por vários modos, na alma de quem gulosamente sonha com visões. Umas vezes toma a figura de um anjo, outras vezes a semelhança do meu Filho, outras ainda como se fosse um dos meus santos. Dessa maneira, ele usa o anzol do prazer espiritual para atrair a alma, para prendê-la em suas mãos. A única solução em tais casos, é a humildade, pois o diabo não tolera o homem humilde. Somente a humilde renúncia a qualquer satisfação pessoal evitará que o diabo retenha a alma. Assim mesmo, tal renúncia deve estar acompanhada do amor; não do amor pelo dom, mas pelo doador, que sou eu.
Se me perguntares: "Qual sinal que nos indica que a 'visita' é do diabo e não tua?", respondo: "Se for o demônio em forma de luz, sua presença inicialmente produzirá alegria, mas pouco a pouco ela irá desaparecendo, até transformar-se em tédio, trevas e remorso de consciência. Ao contrário, se for uma visita minha, no começo a pessoa sentirá temor, um temor santo que depois lhe dará alegria, segurança e uma feliz prudência que, refletindo, não duvida. Dir-se-á: "Não sou digno de receber tua visita; como pode ela acontecer?" e projeta-se na imensidade do meu amor, ciente do bem que lhe posso fazer. Não tomo em consideração a indignidade humana, mas a minha bondade. É esta que, pela graça e demais favores, torna o homem apto a receber-me. Não desprezo a afeição com que ele me invoca. Acolhendo-me, diz a alma:"Eis a tua serva; faça-se a tua vontade" (LC 1,38), e ao encerrar a oração em que a visitei, conservará alegria e jubilo espiritual; por humildade sentir-se-á indigna, mas com amor reconhecerá minha presença.
São esses os sinais que ocorre tomar em consideração para distinguir quem visita a alma, se sou eu ou se é o demônio. Na minha visita, o orante começa pelo temor, passando depois à alegria e ao desejo de operar o bem; sendo o demônio, o primeiro impulso será de alegria, mas virão depois perturbação interna e trevas. Quem desejar progredir no amor seja humilde, prudente, não se engane. Perde a rota quem prefere navegar seguindo o amor imperfeito das consolações, e não a minha caridade.
Julguei oportuno tratar de tais enganos, nos quais costumam cair os cristãos da "caridade comum" que vivem com pouco esforço em tempo de consolações, e falar do egoísmo espiritual dos meus servidores diante do prazer espiritual. Estes últimos, com muito amor-próprio, às vezes se detêm na procura do prazer e não reconhecem seja minha caridade, seja onde estão seus pecados. Por fim, achei bom falar da ilusão do diabo, à qual se pode cair sob a responsabilidade do homem se ele não tiver discernimento. Ocupei-me de tais assuntos unicamente para que tu e meus servidores sejais virtuosos por causa do amor por mim. Estes ditos enganos acontecem com aqueles que me amam imperfeitamente, com aqueles que procuram o dom, não o doador. Quem vive na cela do autoconhecimento e se aplica a ir além do amor imperfeito, acolhe-me com carinho e suga em meu coração o doce alimento da mensagem de Cristo crucificado.
A alma que chegou ao terceiro estado - de amor-amizade e de amor filial - já não me ama interessadamente. Comporta-se como amigo íntimo. O amigo verdadeiro, ao receber um presente, olha primeiro para o coração e o amor do doador; depois examinará o objeto e o conservará como recordação. Esta é a atitude de quem chegou ao terceiro estado, o do amor perfeito; quando lhe concedo favores, não fica a pensar primeiro neles; seu pensamento se fixa na bondade do doador. Querendo evitar que os homens agissem diversamente, providenciei a identificação entre o dom e o doador, unindo a natureza divina com a humana e dando-vos meu Filho, o qual é uma só coisa comigo. Graças a tal união, não podeis deter-vos no dom sem ao mesmo tempo olhar para o doador, que sou eu.
Considera, pois, com que amor deveis desejar o dom e o doador. Fazendo assim, estareis no amor puro, desinteressado, não mercenário; estareis continuamente na cela do autoconhecimento.
18.3.2 - Desapego das consolações.
Deve o cristão entusiasmar-se varonilmente pela oração que é uma verdadeira mãe. Isto acontece quando ele se fecha na cela do autoconhecimento, depois de atingir o amor-amizade e o amor filial. Quem não percorre tais etapas, permanecerá sempre na tibieza e na imperfeição, amando a mim e ao próximo por interesses pessoais, na procura de consolações. Sobre tal amor imperfeito quero discorrer agora, sem ocultar-te uma ilusão decorrente desse apego às consolações.
Desejo que o saibas: o servidor que me ama na imperfeição procura mais as consolações sensíveis que a minha divindade. É a atitude da pessoa que se perturba quando desaparecem o prazer espiritual e a tranquilidade de vida. Muitos vivem virtuosamente quando estão na prosperidade; desorientam-se na prática da virtude se lhes mando alguma dificuldade. Quando alguém lhes pergunta: Por que está perturbado?", respondem: "Porque estou em tal ou tal contrariedade; parece-me que estou perdendo o pouco de bem que faço. Já não tenho aquele entusiasmo e aquele amor de antes, por causa desta dificuldade. Acho que, na tranquilidade anterior, tirava mais proveito que agora.".
Enganam-se tais pessoas relativamente àquela "tranquilidade anterior". Não é a contrariedade que lhes traz menor amor e menor dedicação. Em si mesmas, as ações possuem idêntico valor na aridez de espírito e no fervor. Aliás, com a aridez as ações podem até valer mais, se as pessoas tivessem paciência. Mas elas se perturbam, pelo fato que antes sentiam maior prazer. Na verdade, antes me amavam pouco e viviam com a consciência tranquila na prática de pequenas boas obras. Retirado o ponto de apoio, crêem ter perdido o sossego do próprio agir. Com tais pessoas acontece como ao jardineiro, satisfeito no seu trabalho por causa do prazer que sente. Labutar no jardim parece-lhe um descanso; estar no meio das flores, uma satisfação. De fato, ele se alegra mais com as flores do que com o trabalho. Se lhe retirarem as flores, o prazer acabará. Também aquelas pessoas! Se sua principal alegria se concentrasse na prática do bem, não cairiam na perturbação. Alegrar-se-iam até, pois quem realmente deseja uma coisa jamais poderá ser impedido de realizá-la; mesmo que a privem da satisfação que acompanha sua atividade, como no caso das flores. Enganam-se essas almas colocando o alicerce de suas atividades nas consolações, pois dizem: "Antes de entrar nesta aridez, eu agia melhor e com mais prazer; a prática do bem me ajudava. Agora já não me favorece, não sinto mais gosto".
É errado tal modo de pensar e falar. Nada diminuiria em tais almas, se elas se comprazessem no agir virtuosamente por causa da virtude em si, até acresceriam seus esforços. Na realidade agem por egoísmo e então tudo se acaba. Tal é o engano em que caem muitos na vida virtuosa, proveniente das consolações sensíveis.
Costumo recompensar toda boa ação e com maior ou menor liberalidade conforme a medida do amor de quem a pratica; por isso, concedo consolações espirituais aos meus servidores imperfeitos, durante a oração. Ajo de tal forma, não para que apreciem tais satisfações erroneamente, isto é, atribuindo maior valor ao dom que ao doador, que sou eu. Meu desejo é que tomem consciência do meu amor e da própria indignidade, deixando o prazer em segundo plano. O engano consistirá em agir diversamente.
18.3.2.1 - A rotina das consolações.
Um primeiro engano consiste na procura de determinada satisfação espiritual para nela se comprazer. Tendo-a experimentado antes, a pessoa começa a agir sempre do mesmo jeito para obter idêntico prazer. Na verdade, eu não sigo sempre as mesmas estradas, como se fosse coagido a dar consolações e gostos. Concedo-as diversificadamente segundo meu beneplácito e as necessidades humanas. Mas há gente sem discernimento, que continua a procurar a consolação naquele modo, com a pretensão de impor leis ao Espírito Santo. Atitude errada! Deveriam isto sim, caminhar varonilmente pela ponte-mensagem de Cristo crucificado, aguardando os dons na modalidade, tempo e lugar que eu quisesse enviar. Se nada concedo, faço tal coisa por amor, nunca por maldade. Quero que os homens me procurem por mim mesmo, não por motivo das consolações que propicio; quero que acolham humildemente meu amor sem pensar muito nas satisfações. A atitude contrária produz sofrimento e perturbação no momento em que faltar a consolação, objeto de tanta preocupação. Tais pessoas querem conforto sob medida; tendo experimentado um prazer espiritual, pretendem repetir a mesma sensação. Alguns são de tal modo ignorantes que, se os visito de um modo diferente, recusam-me! Somente aceitam aquela modalidade costumeira. É um defeito inerente à própria paixão e defeito espiritual em si; é uma ilusão, pois como não pode alguém deter-se num único método, mas haverá de progredir na virtude ou voltar atrás, assim não pode o espírito fixar-se num determinado gozo espiritual por mim concedido, como se minha bondade não pudesse dar outro.
Concedo consolações de diversas maneiras: uma vez será contentamento; outra vez arrependimento que agita interiormente; vezes há que me torno presente na alma sem que ela o perceba, pois faço estar no espírito a pessoa de meu Filho em vários modos: ora sentirá na profundidade da alma grandíssimo prazer, ora nem o perceberá, como se poderia esperar. Realizo todas essas coisas por amor; quero que o homem progrida na humildade, na perseverança; quero ensinar-lhe a não ditar regras (ao Espírito Santo), a não considerar as consolações como uma finalidade. Quero que alicerce em mim sua virtude; que aceite os acontecimentos e meus dons com humildade. Quero que acreditem no seguinte: que concedo as consolações espirituais de acordo com as necessidades da sua santificação e aperfeiçoamento.
18.3.2.2 - O egoísmo espiritual.
Acabo de falar sobre o engano em que caem aqueles que desejam viver interiormente consolados com minha presença. Passo a ocupar-me de uma outra ilusão: a das pessoas que colocam toda sua satisfação na busca das consolações e não socorrem os outros em suas necessidades espirituais ou materiais sob pretexto de virtude. Dizem assim: "Quando vou ajudar os outros, não consigo rezar as preces de horário". Acreditam ofender-me quando não sentem consolação interior. Na realidade enganam-se quanto ao sossego do espírito e ofendem-me muito mais não socorrendo o próximo, de que se de fato perdessem a paz da alma.
É meu desejo que todas as orações, vocais ou mentais, levem a pessoa ao perfeito amor por mim e pelo próximo. Dessa maneira, peca mais quem se descuida do amor pelo outro a fim de orar, do que aquele que, por causa dos outros, deixa de orar. No próximo, o homem sempre me encontra; não, porém, na satisfação pessoal em que me procura. A ausência de ajuda ao irmão, ipso facto faz diminuir a caridade fraterna e o amor por mim. Querendo ganhar, a pessoa sai perdendo. Mas ao "perder", ganha, isto é: ao renunciar ao conforto espiritual no esforço de salvar o próximo, lucra em mim e no próximo; ao prestar serviço ao outro na caridade, experimenta toda a doçura do meu amor. Pelo contrário, sai-se mal quando recusa auxiliar os demais. De fato, um dia ou outro terá que ajudá-lo, por amor ou por dever, seja nas enfermidades do corpo, seja do espírito. Então falo-á de má vontade, com tristeza íntima e remorso de consciência, tornando-se insuportável a si mesmo e aos demais. Em tal ocasião, se alguém lhe perguntar: "Por que estás tristonho?", responderá: "Porque perdi a paz e a tranquilidade de espírito; deixei de fazer muitos atos a que estava habituado e julgo que ofendi a Deus".
A realidade não é essa. Tal pessoa não sabe discernir onde se encontra realmente seu pecado, pois sua preocupação fixou-se na procura de consolações interiores. Oxalá entendesse que o pecado não está na privação do consolo espiritual, nem na ausência de oração quando alguém precisa de auxílio, mas na ausência de amor pelo outro, a quem é preciso ajudar por meu amor. Como vês, o engano consiste no egoísmo espiritual.
Outro tipo de egoísmo existe, semelhante, que pode causar prejuízos ainda maiores. Costumo dar a meus servidores gáudio espiritual e visões. Se alguém unicamente se preocupar na obtenção de tais favores, acabará por cair na amargura e no tédio no momento que notar sua ausência progressiva; cada vez que eu não o der, julgarão que perderam a graça. Já afirmei que costumo visitar e ausentar-me do homem no tocante às consolações - sem prejuízo do estado de graça - a fim de levar a pessoa à perfeição. Em tais circunstâncias, muitos mergulham na tristeza e sentem-se num inferno, porque não mais experimentam os prazeres da mente, substituídos pelo tormento das tentações.
Ninguém deveria ser tão ignorante assim, deixando-se ludibriar pelo egoísmo sem compreender a realidade. É preciso discernir quando estou presente, compreender que sou o sumo bem, aquele que dá a boa vontade no tempo das batalhas! Que não se fique correndo atrás de consolações! Humilhe-se o homem, considere-se indigno de viver no sossego e quietude de espírito. Aliás, é por isso que me afasto. Desejo que a pessoa seja humilde, que tenha consciência da minha caridade, que note a retidão interior que lhe concedo na hora da dificuldade. Quero que beba o leite espiritual não somente por borrifos na face da alma, mas sugando diretamente no coração do meu Filho. Juntamente com tal leite, quero que coma sua carne; que procure consolações no corpo do crucificado, vivendo sua mensagem, que transformei numa ponte que vos conduza até mim.
Eis as razões por que me afasto durante a aridez do espírito. Se os homens caminharem com prudência, não parando estupidamente na procura de consolações, retornarei depois com imensa delícia, força, luz, ardor de caridade. Os que sentirem rebeldia e tristeza pela ausência de consolações, pouco aproveitarão e continuarão em sua tibieza.
18.3.2.3 - O diabo em forma de luz.
Pode acontecer ainda que alguém caia num quarto engano, quando o demônio se apresenta em forma de luz. Costuma ele tentar os homens de acordo com as disposições espirituais que neles encontra. Por tal motivo, ninguém deve desejar satisfações e visões espirituais; aspire-se somente pela virtude. Na humildade, cada um se julgue indigno de tais coisas; se as receber, comporte-se segundo a caridade. O diabo é capaz de mostrar-se numa figura de luz, por vários modos, na alma de quem gulosamente sonha com visões. Umas vezes toma a figura de um anjo, outras vezes a semelhança do meu Filho, outras ainda como se fosse um dos meus santos. Dessa maneira, ele usa o anzol do prazer espiritual para atrair a alma, para prendê-la em suas mãos. A única solução em tais casos, é a humildade, pois o diabo não tolera o homem humilde. Somente a humilde renúncia a qualquer satisfação pessoal evitará que o diabo retenha a alma. Assim mesmo, tal renúncia deve estar acompanhada do amor; não do amor pelo dom, mas pelo doador, que sou eu.
Se me perguntares: "Qual sinal que nos indica que a 'visita' é do diabo e não tua?", respondo: "Se for o demônio em forma de luz, sua presença inicialmente produzirá alegria, mas pouco a pouco ela irá desaparecendo, até transformar-se em tédio, trevas e remorso de consciência. Ao contrário, se for uma visita minha, no começo a pessoa sentirá temor, um temor santo que depois lhe dará alegria, segurança e uma feliz prudência que, refletindo, não duvida. Dir-se-á: "Não sou digno de receber tua visita; como pode ela acontecer?" e projeta-se na imensidade do meu amor, ciente do bem que lhe posso fazer. Não tomo em consideração a indignidade humana, mas a minha bondade. É esta que, pela graça e demais favores, torna o homem apto a receber-me. Não desprezo a afeição com que ele me invoca. Acolhendo-me, diz a alma:"Eis a tua serva; faça-se a tua vontade" (LC 1,38), e ao encerrar a oração em que a visitei, conservará alegria e jubilo espiritual; por humildade sentir-se-á indigna, mas com amor reconhecerá minha presença.
São esses os sinais que ocorre tomar em consideração para distinguir quem visita a alma, se sou eu ou se é o demônio. Na minha visita, o orante começa pelo temor, passando depois à alegria e ao desejo de operar o bem; sendo o demônio, o primeiro impulso será de alegria, mas virão depois perturbação interna e trevas. Quem desejar progredir no amor seja humilde, prudente, não se engane. Perde a rota quem prefere navegar seguindo o amor imperfeito das consolações, e não a minha caridade.
Julguei oportuno tratar de tais enganos, nos quais costumam cair os cristãos da "caridade comum" que vivem com pouco esforço em tempo de consolações, e falar do egoísmo espiritual dos meus servidores diante do prazer espiritual. Estes últimos, com muito amor-próprio, às vezes se detêm na procura do prazer e não reconhecem seja minha caridade, seja onde estão seus pecados. Por fim, achei bom falar da ilusão do diabo, à qual se pode cair sob a responsabilidade do homem se ele não tiver discernimento. Ocupei-me de tais assuntos unicamente para que tu e meus servidores sejais virtuosos por causa do amor por mim. Estes ditos enganos acontecem com aqueles que me amam imperfeitamente, com aqueles que procuram o dom, não o doador. Quem vive na cela do autoconhecimento e se aplica a ir além do amor imperfeito, acolhe-me com carinho e suga em meu coração o doce alimento da mensagem de Cristo crucificado.
A alma que chegou ao terceiro estado - de amor-amizade e de amor filial - já não me ama interessadamente. Comporta-se como amigo íntimo. O amigo verdadeiro, ao receber um presente, olha primeiro para o coração e o amor do doador; depois examinará o objeto e o conservará como recordação. Esta é a atitude de quem chegou ao terceiro estado, o do amor perfeito; quando lhe concedo favores, não fica a pensar primeiro neles; seu pensamento se fixa na bondade do doador. Querendo evitar que os homens agissem diversamente, providenciei a identificação entre o dom e o doador, unindo a natureza divina com a humana e dando-vos meu Filho, o qual é uma só coisa comigo. Graças a tal união, não podeis deter-vos no dom sem ao mesmo tempo olhar para o doador, que sou eu.
Considera, pois, com que amor deveis desejar o dom e o doador. Fazendo assim, estareis no amor puro, desinteressado, não mercenário; estareis continuamente na cela do autoconhecimento.
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