18 . DEUS PAI EXPLICA COMO ATINGIR A PERFEIÇÃO (Cont. 1)
18.2 - A caminhada para o amor amizade.
Vês assim a que alturas chega o homem que atingiu o amor-amizade.Depois de ultrapassar o primeiro degrau, os pés de Cristo crucificado, atinge o segredo do coração, isto é, o segundo degrau, conforme representei o corpo de meu Filho.
Disse antes (16.1) que os degraus figuravam as três faculdades; agora mostro como significam (também)
as três fases pelas quais passa o homem. Mas antes de ocupar-me do terceiro degrau - que é o da boca de Cristo - quero explicar-te qual a caminhada para o amor-amizade (18.2), como é vivido tal amor (18.3) e quais são os sinais reveladores da sua presença (18.4).
Relativamente ao modo como se chega ao amor-amizade e filial, dá-se da seguinte maneira: inicialmente imperfeito, o homem vive no amor servil; com a perseverança e esforço, chega ao amor interesseiro das consolações (espirituais) no qual se compraz olhando-me como algo útil para si mesmo. Tal é o roteiro para quem quer chegar ao amor-amizade e filial. Este último é o amor perfeito; com ele alcança-se a herança do reino. O amor filial inclui o amor-amizade; nesse sentido se passa do amor-amizade ao amor filial. Mas qual é a estrada? Vou dizê-lo.
Toda perfeição e virtude procede da caridade; a caridade alimenta-se de humildade; a humildade nasce do autoconhecimento e da vitória sobre o egoísmo da sensualidade. Para se atingir o amor filial é necessário pois, perseverar na cela do autoconhecimento. Nesta cela o homem conhecerá o meu perdão através do sangue de Cristo e atrairá sobre si pelo amor a minha caridade, procurará destruir em si toda má vontade espiritual e temporal. Fará como os apóstolos e Pedro que, depois da negação, chorou. Era um pranto imperfeito, que imperfeito permaneceu durante os quarenta dias que precederam a Ascenção. Depois que Jesus subiu ao Céu em sua humanidade, Pedro e os demais (apóstolos) fecharam-se no Cenáculo, esperando a vinda do Espírito Santo segundo a promessa feita por meu Filho. Ali permaneceram com as portas fechadas, cheios de medo, como acontece a todo homem antes de chegar ao verdadeiro amor. Ficaram perseverantes na oração humilde e contínua, até receber a plenitude do Espírito Santo. Então, livres do temor, passaram a seguir e pregar Cristo crucificado.
Também o homem que deseja atingir tal perfeição, por medo do castigo começa a chorar depois de abandonar o pecado mortal pelo arrependimento; em seguida, eleva-se à consideração de minha misericórdia, e nisto encontra consolação e prazer. É algo ainda imperfeito. Para que se encaminhe à perfeição, após os "quarenta dias" - que são os dois primeiros estados - aos poucos vou me afastando da alma quanto às consolações, sem retirar-lhe a graça.
Foi quanto Jesus revelou aos discípulos, ao dizer: "Irei e voltarei a vós" (Jo 14,27). Tudo quanto ele dizia a eles em particular, afirmava-o igualmente para todos os seus contemporâneos e às gerações futuras. "Irei e voltarei a vós", disse ele; e o fez. Voltou, quando o Espírito Santo desceu sobre os apóstolos. De fato, já te disse (12.5) que o Espírito Santo não vem sozinho, mas com meu poder, com a sabedoria do Filho e com a própria clemência, pois ele procede do Pai e do Filho.
Pois bem, afirmo-te que, para libertar o homem da imperfeição (do amor servil e interesseiro), afasto-me da alma quanto às consolações. Quando se achava no pecado mortal, o pecador estava longe de mim; por sua culpa, eu me afastara dele quanto à graça. Havia-se fechado a porta do desejo por culpa sua, sem responsabilidade do sol divino. Ao tomar consciência das próprias trevas, ele abre as janelas, "vomita" a podridão do pecado na santa confissão, e então, pela graça, volto à sua alma. Se me afasto, é quanto às consolações, não quanto à graça, no modo explicado acima. Ajo assim para que a pessoa se humilhe, procure-me com empenho, seja provada quanto à fé e se torne prudente. A tais alturas, se o cristão me amar desinteressadamente, com fé viva e desapego de si, alegrar-se-á nas adversidades, achando-se indigno de viver no sossego e descanso da mente. Mas este já é o segundo assunto dos três que falei antes (18.2).
18.3 - Como se vive o amor-amizade
18.3.1 - A vigília de oração
Eis o que faz a pessoa que chegou (ao amor-amizade): Ao perceber que me ausentei quanto às consolações, não cai em desânimo. Persevera humildemente no esforço pelo autoconhecimento, certa de que o Espírito Santo virá. Como o espera? Sem ociosidade, em contínua vigília de oração. Será uma vigília exterior e interna, no sentido de que a inteligência não se feche, mas reflete sob a luz da fé. Assim a pessoa evita as distrações do coração, medita sobre a bondade do meu amor, compreende que nada mais desejo que sua santificação. Disso é garantia o sangue do meu Filho. Como o pensamento está vigilante no conhecimento de mim e de si, a alma ora continuamente. É a "oração contínua", a oração da vontade santa e boa. A pessoa permanece também na oração exterior, feita nos tempos determinados conforme as prescrições da santa Igreja. Tal é o comportamento do homem que da imperfeição chegou à perfeição!
Para que a alma atingisse esse grau, dela me afastara quanto às consolações. Outro motivo da ausência destas consolações é este: para que o homem, vendo-se na secura, sofra, perceba a própria debilidade, instabilidade e falta de perseverança; em outras palavras, veja e conheça o próprio defeito, descubra em si a raiz do egoísmo. É para que a pessoa se conheça e se supere, suba à cadeira da própria consciência, corrija todo sentimento falso, destrua as raízes do egoísmo com o desapego de si e o amor pelo bem.
É bom que compreendas o seguinte: qualquer imperfeição e perfeição são adquiridas e manifestadas, seja em mim como no próximo; compreendem-no os simples, que muito amam as pessoas no espírito. Se acolhem o amor por mim desinteressadamente,, desinteressadamente também amam o próximo. Pode-se comparar a uma vasilha: retirada cheia de uma fonte, se alguém dela beber, ficará vazia; mas se alguém enquanto bebe a conserva na fonte, jamais se esvaziará, estará sempre cheia. Assim, o amor humano e espiritual pelo próximo, deve realizar-se em mim, sem outros interesses.
Eu vos peço que me ameis com a mesma caridade com que vos amo. Tal coisa não podeis realizar diretamente a meu respeito, pois eu vos amei antes de ser amado. Qualquer ato de amor vosso de amor por mim é devido, não gratuito; sois obrigados a me querer bem. Eu amo-vos espontaneamente, sem qualquer obrigação. Não, relativamente a mim não tendes a possibilidade de cumprir o amor que peço! Por isso, dei-vos um meio: o próximo. Com referência a ele podeis fazer o que é impossível para comigo, podeis amá-lo gratuitamente, sem interesses pessoais. Ora, considero feito a mim o que fazeis para os homens. Foi isso que meu Filho deu a entender a Paulo que perseguia os cristãos, dizendo-lhe: "Saulo, Saulo, por que me persegues?" (At 9,4); meu Filho considerava realizada contra mim a perseguição feita contra os cristãos.
Há de ser desinteressado o amor pelo próximo; deveis amá-lo com a mesma caridade que me amais. Sabeis como uma pessoa percebe que seu amor espiritual pelos outros é imperfeito? Se fica triste ao notar que aquele que é amado não corresponde com a mesma intensidade de amor, evita sua companhia, não procura agradar, demonstra maior atenção para com outros. Semelhante tristeza evidencia que a caridade por mim ainda é fraca; mostra que o cristão ainda está "bebendo" fora de mim, mesmo que seu amor provenha da minha caridade. Quando o amor para comigo é imperfeito, imperfeita se mostra a caridade para com o próximo espiritualmente amado. A razão de tudo é o egoísmo, cuja raiz ainda não foi arrancada. E eu permito essas coisas, para que o cristão reconheça sua imperfeição.
A ausência de consolações acontece para que o homem se feche na cela do autoconhecimento, lugar onde se adquire a perfeição. quando retorno com as consolações, darei maior luz e conhecimento da verdade, de modo que considerará como uma graça poder destruir o egoísmo; já não cessa de podar a vinha da própria alma, de arrancar os maus espinhos que são os maus pensamentos, de assentar as virtudes no sangue de Cristo, conforme as encontrou ao seguir as pegadas de sua ponte. Acima já ensinei (12.3), se bem recordas, que as pedras da ponte-mensagem de Cristo eram as suas virtudes, cimentadas com sangue, pois é do sangue que elas retiram a vida. Quando o homem penetra e caminha na mensagem de Cristo, passa a amar a virtude e a odiar o pecado com grande perseverança, separa-se inteiramente da mundanidade e fecha-se na cela do autoconhecimento.
Por que se fecha? Porque conhece a própria imperfeição; também pelo desejo de atingir o amor desinteressado e livre, pois sabe perfeitamente que não existe outro modo de consegui-lo; desse modo espera com fé viva meu retorno com maior infusão de graça.
Em que consiste a fé viva? Consiste na prática perseverante das virtudes, em não voltar atrás por motivo algum, em não deixar a oração jamais - exceto por obediência ou caridade -, pois nenhuma outra razão existe. Digo isto porque muitas vezes, durante o tempo reservado à oração, o demônio se apresenta através de muitas tentações e dificuldades, mais do que acontece em outras ocasiões. Para que o orante sinta tédio na oração, sugere-lhe: "Tua súplica para nada serve, pois quando oras não deverias preocupar-te senão com aquilo que dizes". Sua intenção é cansar a pessoa, confundi-la e fazer com que abandone o exercício da oração. No entanto, a prece é a arma com que o homem se defende de todos os inimigos, se realizada com amor, espontaneidade e fé.
Filha querida, convence-te de que é na oração contínua, fiel e perseverante que todas as virtudes são adquiridas. Mas é preciso perseverar, nunca a deixar: nem por ilusão do diabo, nem por fraqueza pessoal, quais sejam os pensamentos e impulsos íntimos; nem por "conselhos" alheios. O demônio frequentemente se põe nos lábios das pessoas, levando-as a afirmativas que destroem a oração. Tudo isso há de ser vencido perseverantemente. Como é agradável ao orante e a mim a prece feita na cela do autoconhecimento. Ali o homem crê e ama na abundância do meu amor, que em meu Filho tornou-se visível e provada no sangue. Sangue que inebria a alma, reveste-a com chamas do amor divino, eucaristicamente a alimenta. Foi na despensa da hierarquia eclesiástica que eu guardei o corpo e sangue do meu Filho, perfeito homem e perfeito Deus, pois entreguei aos sacerdotes a chave do sangue a fim de que o distribuíssem. Já te falei sobre esta despensa (12.3), construída sobre a ponte-Cristo para alimentar e fortificar os viandantes e peregrinos que caminham segundo a mensagem de meu Filho, impedindo que morram de fome. Tal alimento fortifica de acordo com o amor de quem o recebe, seja sacramentalmente, seja espiritualmente.
Sacramentalmente, na comunhão eucarística; espiritualmente, ao se comungar pelo desejo da eucaristia ou meditando-se a paixão de Cristo crucificado. Esta última é uma comunhão de amor no sangue, que por amor foi derramado; nela a pessoa inebria-se, inflama-se, fica saciada no desejo santo, cheia de amor por mim e pelos homens. Mas, onde se alcança tudo isso? Na cela do autoconhecimento e na oração, quando o homem deixa de ser imperfeito, como aconteceu com os discípulos e Pedro ao atingirem a perfeição. Quais são os meios necessários? A perseverança e a fé.
Não creias que para alcançar tamanho fervor e tal alimento espiritual, baste a oração vocal. Muitos pensam que seja assim. Sua oração é constituída mais de palavras que de amor. Parece que a nada mais aspiram que recitar muitos salmos e pai-nossos! Quando atingem um determinado número, dão-se por satisfeitos. Para eles, a finalidade da oração está na recitação verbal. Não haveria de ser assim. Nada praticando além disso, tais pessoas pouco aproveitam e pouco me agradam.
Dirás: "É preciso então abandonar tal oração, mesmo que nem todos pareçam atraídos pela oração mental?" Não, mas é preciso progredir. Sei que o homem, antes de chegar à perfeição é imperfeito. É normal que sua oração comece deficiente. Durante tal fase imperfeita, o orante deverá ocupar-se na prece vocal para não cair na inatividade. Mas, mesmo então, sua oração de palavras não deve ser feita sem a oração do espírito. Enquanto pronuncia as palavras, eleve seu pensamento até mim, considere seus defeitos em geral, medite sobre a paixão de meu Filho. No sangue de Cristo encontrará a plenitude do amor e a remissão dos pecados. Ao tomar consciência dos próprios defeitos, reconhecerá minha caridade e será ajudado a perseverar na oração.
Não desaconselho pensar nos pecados um por um, para que tal consideração não contamine a mente com lembranças impuras. O que não quero é que se faça unicamente a recordação dos pecados, em particular ou em geral, sem a lembrança da paixão de Cristo e da imensidade do meu perdão, para evitar a perplexidade interior. Se não forem acompanhados pelo pensamento da paixão, o autoconhecimento e a reflexão sobre os próprios pecados, confundem a alma. Neste caso o demônio estaria presente e, sob pretexto de falso arrependimento e desprezo das culpas, levaria a pessoa à condenação. Além disso, por falta de confiança na minha misericórdia, corre-se o risco de cair no desespero, um dos enganos a que o demônio pode conduzir meus servidores. Para vossa utilidade, portanto, se quiserdes fugir das maquinações do diabo e agradar-me, conservai o coração aberto ao meu incomensurável perdão. O diabo orgulhoso não tolera um espírito humilde; não suporta a imensidade do meu amor, no qual a pessoa humilde se apóia. Se bem te lembras, certa vez o demônio quis aterrorizar-te com semelhante confusão interior. Afirmava ele que tua vida era uma falsidade, que não havias cumprido a minha vontade. Auxiliada por mim, agiste como realmente deverias agir, pois nada recuso a quem me implora. Com humildade, tu te apoiaste na minha misericórdia e disseste: "Confesso ao criador que transcorri a vida em trevas! Refugio-me, porém, nas chagas de Cristo crucificado e lavo-me no seu sangue. Destruirei desse modo minhas iniquidades e com amor hei de alegrar-me em meu criador". Então o demônio retirou-se. Em outra batalha ele quis levar-te ao orgulho e dizia: "És perfeita, agradável a Deus. Não é necessário que te mortifiques mais, nem que chores ainda os teus pecados". Naquela ocasião eu te iluminei e entendeste o caminho a seguir, o da humildade, respondendo: "Pobre de mim! João Batista jamais pecou, foi santificado no seio materno, e no entanto penitenciou-se muito. Eu, ao invés, cometi tantas faltas e ainda não comecei a reconhecê-las com lágrimas e verdadeira contrição; ainda não tomei consciência de quem é Deus, o ofendido, nem de quem sou eu, a pecadora". Não tolerando esse ato de humildade e de confiança na minha misericórdia, o demônio disse: "Maldita sejas tu, pois de nenhum modo consigo vencer-te! Se te rebaixo ao desespero, tu te elevas à misericórdia; se te engrandeço pela vaidade, tu te rebaixas até o inferno pela humildade e aí me persegues. Não voltarei mais; tu combates com a lança da caridade".
Por conseguinte, o orante deve controlar o autoconhecimento mediante a consciência da minha misericórdia, e vice versa. Agindo assim sua oração vocal será útil a ele e agradável a mim. Se perseverar em tal exercício, passará da oração vocal imperfeita à oração do espírito, a perfeita. Ao contrário, se sua preocupação continuar apenas na quantidade de preces, jamais o conseguirá. O mesmo aconteceria se abandonasse a oração mental pela vocal. Pois existem pessoas tão ignorantes que, indo orar, fazem a intenção de recitar determinadas orações vocais; nessa ocasião eu as visito de uma forma ou de outra, conforme o meu agrado ou seus desejos anteriores. Dou-lhes, por exemplo, arrependimento dos pecados; recordo-lhes meu amor; torno presente em suas mentes a pessoa do meu Filho sob variadas maneiras. Mas tais pessoas, para completar aquele número de orações, desprezam minha visita, com remorso de abandonar quanto começaram... Não deveriam tomar essa atitude! Logo que a pessoa percebe minha visita, nas modalidades de que falei, deve deixar a oração vocal. Mais tarde, uma vez cessada a oração do espírito, e, se dispuser de tempo, poderá retomar aquilo a que se propusera fazer. Na falta de tempo, despreocupe-se, não fique triste, não se perturbe. A única exceção se dá para o Ofício Divino (Liturgia das Horas) que os clérigos têm obrigação de recitar sob pena de pecado. É obrigação dos clérigos dizê-lo até a morte. Quando os clérigos sentirem tais visitas na hora do Ofício, conservem o espírito elevado no amor e tomem a decisão de recitar o ofício no momento ou depois, mas não devem faltar à própria obrigação.
Em qualquer outra oração, a pessoa deve começar pela vocal, passando depois à mental. Faça-o logo que sentir o espírito bem disposto. Tal maneira de agir conduzirá o orante à perfeição do amor. Não se despreze, pois, a oração vocal, qualquer que seja ela. Siga-se a orientação dada. Quem assim fizer, com esforço e perseverança, chegará à oração verdadeira e à comunhão espiritual na paixão de Cristo. Neste sentido eu disse antes (18.3.1) que alguém comunga espiritualmente no corpo e sangue de Cristo sem receber o sacramento da eucaristia. Tal pessoa comunga no amor, fato que acontece na oração em maior ou menor intensidade, de acordo com o amor do orante. Quem age com pouca prudência cristã, pouco achará; quem age sabiamente, muito encontrará.Quanto mais o homem desvencilhar sua afeição e prendê-la a mim, mais me conhecerá, mais me amará, mais me experimentará. Como vês, não é pela quantidade de palavras que se chega à oração perfeita, mas pelo amor e conhecimento de mim e de si mesmo, cada um desses conhecimentos completando o outro.
A oração vocal e mental hão de ser praticadas contemporaneamente, pois andam juntas como a vida ativa e a contemplativa. A oração vocal e mental podem ser entendidas de diversas maneiras. Já falei do desejo santo; ele constitui a oração contínua e consiste na posse de um amor reto e santo. Quando esse desejo santo aparece no ambiente e horário da prece, temos a oração vocal (com desejo santo) obrigatória; outras vezes, será a oração vocal (com desejo santo) espontânea. Será uma oração contínua, adaptada às necessidades da salvação do próximo e ao estado de vida do orante. Todos os homens devem trabalhar em prol da salvação dos outros no próprio estado de vida, por obediência ao princípio do amor santo. Os ensinamentos e as atividades que alguém realize constituirão uma oração em atos, supondo-se que tal pessoa cumpra suas orações obrigatórias. Tudo o que fizer além desta oração obrigatória, seja em favor do próximo como de si mesma, será oração. Como dizia o glorioso apóstolo Paulo, não pára de orar quem não cessa de praticar o bem. Por isso te disse que a oração se realiza de diversas maneiras, seja a vocal como a mental; quando realizada no amor, constitui a oração contínua, pois a caridade é oração.
Desse modo acabei de explicar-te como se chega à oração mental. É preciso exercitar-se com perseverança na oração, passando da vocal para a mental quando "visito" a alma. Disse como é a oração comum e a espontânea,bem como a oração da vontade santa e da atividade em favor de si mesmo ou dos outros, realizada por amor fora dos momentos reservados para a prece.
18.2 - A caminhada para o amor amizade.
Vês assim a que alturas chega o homem que atingiu o amor-amizade.Depois de ultrapassar o primeiro degrau, os pés de Cristo crucificado, atinge o segredo do coração, isto é, o segundo degrau, conforme representei o corpo de meu Filho.
Disse antes (16.1) que os degraus figuravam as três faculdades; agora mostro como significam (também)
as três fases pelas quais passa o homem. Mas antes de ocupar-me do terceiro degrau - que é o da boca de Cristo - quero explicar-te qual a caminhada para o amor-amizade (18.2), como é vivido tal amor (18.3) e quais são os sinais reveladores da sua presença (18.4).
Relativamente ao modo como se chega ao amor-amizade e filial, dá-se da seguinte maneira: inicialmente imperfeito, o homem vive no amor servil; com a perseverança e esforço, chega ao amor interesseiro das consolações (espirituais) no qual se compraz olhando-me como algo útil para si mesmo. Tal é o roteiro para quem quer chegar ao amor-amizade e filial. Este último é o amor perfeito; com ele alcança-se a herança do reino. O amor filial inclui o amor-amizade; nesse sentido se passa do amor-amizade ao amor filial. Mas qual é a estrada? Vou dizê-lo.
Toda perfeição e virtude procede da caridade; a caridade alimenta-se de humildade; a humildade nasce do autoconhecimento e da vitória sobre o egoísmo da sensualidade. Para se atingir o amor filial é necessário pois, perseverar na cela do autoconhecimento. Nesta cela o homem conhecerá o meu perdão através do sangue de Cristo e atrairá sobre si pelo amor a minha caridade, procurará destruir em si toda má vontade espiritual e temporal. Fará como os apóstolos e Pedro que, depois da negação, chorou. Era um pranto imperfeito, que imperfeito permaneceu durante os quarenta dias que precederam a Ascenção. Depois que Jesus subiu ao Céu em sua humanidade, Pedro e os demais (apóstolos) fecharam-se no Cenáculo, esperando a vinda do Espírito Santo segundo a promessa feita por meu Filho. Ali permaneceram com as portas fechadas, cheios de medo, como acontece a todo homem antes de chegar ao verdadeiro amor. Ficaram perseverantes na oração humilde e contínua, até receber a plenitude do Espírito Santo. Então, livres do temor, passaram a seguir e pregar Cristo crucificado.
Também o homem que deseja atingir tal perfeição, por medo do castigo começa a chorar depois de abandonar o pecado mortal pelo arrependimento; em seguida, eleva-se à consideração de minha misericórdia, e nisto encontra consolação e prazer. É algo ainda imperfeito. Para que se encaminhe à perfeição, após os "quarenta dias" - que são os dois primeiros estados - aos poucos vou me afastando da alma quanto às consolações, sem retirar-lhe a graça.
Foi quanto Jesus revelou aos discípulos, ao dizer: "Irei e voltarei a vós" (Jo 14,27). Tudo quanto ele dizia a eles em particular, afirmava-o igualmente para todos os seus contemporâneos e às gerações futuras. "Irei e voltarei a vós", disse ele; e o fez. Voltou, quando o Espírito Santo desceu sobre os apóstolos. De fato, já te disse (12.5) que o Espírito Santo não vem sozinho, mas com meu poder, com a sabedoria do Filho e com a própria clemência, pois ele procede do Pai e do Filho.
Pois bem, afirmo-te que, para libertar o homem da imperfeição (do amor servil e interesseiro), afasto-me da alma quanto às consolações. Quando se achava no pecado mortal, o pecador estava longe de mim; por sua culpa, eu me afastara dele quanto à graça. Havia-se fechado a porta do desejo por culpa sua, sem responsabilidade do sol divino. Ao tomar consciência das próprias trevas, ele abre as janelas, "vomita" a podridão do pecado na santa confissão, e então, pela graça, volto à sua alma. Se me afasto, é quanto às consolações, não quanto à graça, no modo explicado acima. Ajo assim para que a pessoa se humilhe, procure-me com empenho, seja provada quanto à fé e se torne prudente. A tais alturas, se o cristão me amar desinteressadamente, com fé viva e desapego de si, alegrar-se-á nas adversidades, achando-se indigno de viver no sossego e descanso da mente. Mas este já é o segundo assunto dos três que falei antes (18.2).
18.3 - Como se vive o amor-amizade
18.3.1 - A vigília de oração
Eis o que faz a pessoa que chegou (ao amor-amizade): Ao perceber que me ausentei quanto às consolações, não cai em desânimo. Persevera humildemente no esforço pelo autoconhecimento, certa de que o Espírito Santo virá. Como o espera? Sem ociosidade, em contínua vigília de oração. Será uma vigília exterior e interna, no sentido de que a inteligência não se feche, mas reflete sob a luz da fé. Assim a pessoa evita as distrações do coração, medita sobre a bondade do meu amor, compreende que nada mais desejo que sua santificação. Disso é garantia o sangue do meu Filho. Como o pensamento está vigilante no conhecimento de mim e de si, a alma ora continuamente. É a "oração contínua", a oração da vontade santa e boa. A pessoa permanece também na oração exterior, feita nos tempos determinados conforme as prescrições da santa Igreja. Tal é o comportamento do homem que da imperfeição chegou à perfeição!
Para que a alma atingisse esse grau, dela me afastara quanto às consolações. Outro motivo da ausência destas consolações é este: para que o homem, vendo-se na secura, sofra, perceba a própria debilidade, instabilidade e falta de perseverança; em outras palavras, veja e conheça o próprio defeito, descubra em si a raiz do egoísmo. É para que a pessoa se conheça e se supere, suba à cadeira da própria consciência, corrija todo sentimento falso, destrua as raízes do egoísmo com o desapego de si e o amor pelo bem.
É bom que compreendas o seguinte: qualquer imperfeição e perfeição são adquiridas e manifestadas, seja em mim como no próximo; compreendem-no os simples, que muito amam as pessoas no espírito. Se acolhem o amor por mim desinteressadamente,, desinteressadamente também amam o próximo. Pode-se comparar a uma vasilha: retirada cheia de uma fonte, se alguém dela beber, ficará vazia; mas se alguém enquanto bebe a conserva na fonte, jamais se esvaziará, estará sempre cheia. Assim, o amor humano e espiritual pelo próximo, deve realizar-se em mim, sem outros interesses.
Eu vos peço que me ameis com a mesma caridade com que vos amo. Tal coisa não podeis realizar diretamente a meu respeito, pois eu vos amei antes de ser amado. Qualquer ato de amor vosso de amor por mim é devido, não gratuito; sois obrigados a me querer bem. Eu amo-vos espontaneamente, sem qualquer obrigação. Não, relativamente a mim não tendes a possibilidade de cumprir o amor que peço! Por isso, dei-vos um meio: o próximo. Com referência a ele podeis fazer o que é impossível para comigo, podeis amá-lo gratuitamente, sem interesses pessoais. Ora, considero feito a mim o que fazeis para os homens. Foi isso que meu Filho deu a entender a Paulo que perseguia os cristãos, dizendo-lhe: "Saulo, Saulo, por que me persegues?" (At 9,4); meu Filho considerava realizada contra mim a perseguição feita contra os cristãos.
Há de ser desinteressado o amor pelo próximo; deveis amá-lo com a mesma caridade que me amais. Sabeis como uma pessoa percebe que seu amor espiritual pelos outros é imperfeito? Se fica triste ao notar que aquele que é amado não corresponde com a mesma intensidade de amor, evita sua companhia, não procura agradar, demonstra maior atenção para com outros. Semelhante tristeza evidencia que a caridade por mim ainda é fraca; mostra que o cristão ainda está "bebendo" fora de mim, mesmo que seu amor provenha da minha caridade. Quando o amor para comigo é imperfeito, imperfeita se mostra a caridade para com o próximo espiritualmente amado. A razão de tudo é o egoísmo, cuja raiz ainda não foi arrancada. E eu permito essas coisas, para que o cristão reconheça sua imperfeição.
A ausência de consolações acontece para que o homem se feche na cela do autoconhecimento, lugar onde se adquire a perfeição. quando retorno com as consolações, darei maior luz e conhecimento da verdade, de modo que considerará como uma graça poder destruir o egoísmo; já não cessa de podar a vinha da própria alma, de arrancar os maus espinhos que são os maus pensamentos, de assentar as virtudes no sangue de Cristo, conforme as encontrou ao seguir as pegadas de sua ponte. Acima já ensinei (12.3), se bem recordas, que as pedras da ponte-mensagem de Cristo eram as suas virtudes, cimentadas com sangue, pois é do sangue que elas retiram a vida. Quando o homem penetra e caminha na mensagem de Cristo, passa a amar a virtude e a odiar o pecado com grande perseverança, separa-se inteiramente da mundanidade e fecha-se na cela do autoconhecimento.
Por que se fecha? Porque conhece a própria imperfeição; também pelo desejo de atingir o amor desinteressado e livre, pois sabe perfeitamente que não existe outro modo de consegui-lo; desse modo espera com fé viva meu retorno com maior infusão de graça.
Em que consiste a fé viva? Consiste na prática perseverante das virtudes, em não voltar atrás por motivo algum, em não deixar a oração jamais - exceto por obediência ou caridade -, pois nenhuma outra razão existe. Digo isto porque muitas vezes, durante o tempo reservado à oração, o demônio se apresenta através de muitas tentações e dificuldades, mais do que acontece em outras ocasiões. Para que o orante sinta tédio na oração, sugere-lhe: "Tua súplica para nada serve, pois quando oras não deverias preocupar-te senão com aquilo que dizes". Sua intenção é cansar a pessoa, confundi-la e fazer com que abandone o exercício da oração. No entanto, a prece é a arma com que o homem se defende de todos os inimigos, se realizada com amor, espontaneidade e fé.
Filha querida, convence-te de que é na oração contínua, fiel e perseverante que todas as virtudes são adquiridas. Mas é preciso perseverar, nunca a deixar: nem por ilusão do diabo, nem por fraqueza pessoal, quais sejam os pensamentos e impulsos íntimos; nem por "conselhos" alheios. O demônio frequentemente se põe nos lábios das pessoas, levando-as a afirmativas que destroem a oração. Tudo isso há de ser vencido perseverantemente. Como é agradável ao orante e a mim a prece feita na cela do autoconhecimento. Ali o homem crê e ama na abundância do meu amor, que em meu Filho tornou-se visível e provada no sangue. Sangue que inebria a alma, reveste-a com chamas do amor divino, eucaristicamente a alimenta. Foi na despensa da hierarquia eclesiástica que eu guardei o corpo e sangue do meu Filho, perfeito homem e perfeito Deus, pois entreguei aos sacerdotes a chave do sangue a fim de que o distribuíssem. Já te falei sobre esta despensa (12.3), construída sobre a ponte-Cristo para alimentar e fortificar os viandantes e peregrinos que caminham segundo a mensagem de meu Filho, impedindo que morram de fome. Tal alimento fortifica de acordo com o amor de quem o recebe, seja sacramentalmente, seja espiritualmente.
Sacramentalmente, na comunhão eucarística; espiritualmente, ao se comungar pelo desejo da eucaristia ou meditando-se a paixão de Cristo crucificado. Esta última é uma comunhão de amor no sangue, que por amor foi derramado; nela a pessoa inebria-se, inflama-se, fica saciada no desejo santo, cheia de amor por mim e pelos homens. Mas, onde se alcança tudo isso? Na cela do autoconhecimento e na oração, quando o homem deixa de ser imperfeito, como aconteceu com os discípulos e Pedro ao atingirem a perfeição. Quais são os meios necessários? A perseverança e a fé.
Não creias que para alcançar tamanho fervor e tal alimento espiritual, baste a oração vocal. Muitos pensam que seja assim. Sua oração é constituída mais de palavras que de amor. Parece que a nada mais aspiram que recitar muitos salmos e pai-nossos! Quando atingem um determinado número, dão-se por satisfeitos. Para eles, a finalidade da oração está na recitação verbal. Não haveria de ser assim. Nada praticando além disso, tais pessoas pouco aproveitam e pouco me agradam.
Dirás: "É preciso então abandonar tal oração, mesmo que nem todos pareçam atraídos pela oração mental?" Não, mas é preciso progredir. Sei que o homem, antes de chegar à perfeição é imperfeito. É normal que sua oração comece deficiente. Durante tal fase imperfeita, o orante deverá ocupar-se na prece vocal para não cair na inatividade. Mas, mesmo então, sua oração de palavras não deve ser feita sem a oração do espírito. Enquanto pronuncia as palavras, eleve seu pensamento até mim, considere seus defeitos em geral, medite sobre a paixão de meu Filho. No sangue de Cristo encontrará a plenitude do amor e a remissão dos pecados. Ao tomar consciência dos próprios defeitos, reconhecerá minha caridade e será ajudado a perseverar na oração.
Não desaconselho pensar nos pecados um por um, para que tal consideração não contamine a mente com lembranças impuras. O que não quero é que se faça unicamente a recordação dos pecados, em particular ou em geral, sem a lembrança da paixão de Cristo e da imensidade do meu perdão, para evitar a perplexidade interior. Se não forem acompanhados pelo pensamento da paixão, o autoconhecimento e a reflexão sobre os próprios pecados, confundem a alma. Neste caso o demônio estaria presente e, sob pretexto de falso arrependimento e desprezo das culpas, levaria a pessoa à condenação. Além disso, por falta de confiança na minha misericórdia, corre-se o risco de cair no desespero, um dos enganos a que o demônio pode conduzir meus servidores. Para vossa utilidade, portanto, se quiserdes fugir das maquinações do diabo e agradar-me, conservai o coração aberto ao meu incomensurável perdão. O diabo orgulhoso não tolera um espírito humilde; não suporta a imensidade do meu amor, no qual a pessoa humilde se apóia. Se bem te lembras, certa vez o demônio quis aterrorizar-te com semelhante confusão interior. Afirmava ele que tua vida era uma falsidade, que não havias cumprido a minha vontade. Auxiliada por mim, agiste como realmente deverias agir, pois nada recuso a quem me implora. Com humildade, tu te apoiaste na minha misericórdia e disseste: "Confesso ao criador que transcorri a vida em trevas! Refugio-me, porém, nas chagas de Cristo crucificado e lavo-me no seu sangue. Destruirei desse modo minhas iniquidades e com amor hei de alegrar-me em meu criador". Então o demônio retirou-se. Em outra batalha ele quis levar-te ao orgulho e dizia: "És perfeita, agradável a Deus. Não é necessário que te mortifiques mais, nem que chores ainda os teus pecados". Naquela ocasião eu te iluminei e entendeste o caminho a seguir, o da humildade, respondendo: "Pobre de mim! João Batista jamais pecou, foi santificado no seio materno, e no entanto penitenciou-se muito. Eu, ao invés, cometi tantas faltas e ainda não comecei a reconhecê-las com lágrimas e verdadeira contrição; ainda não tomei consciência de quem é Deus, o ofendido, nem de quem sou eu, a pecadora". Não tolerando esse ato de humildade e de confiança na minha misericórdia, o demônio disse: "Maldita sejas tu, pois de nenhum modo consigo vencer-te! Se te rebaixo ao desespero, tu te elevas à misericórdia; se te engrandeço pela vaidade, tu te rebaixas até o inferno pela humildade e aí me persegues. Não voltarei mais; tu combates com a lança da caridade".
Por conseguinte, o orante deve controlar o autoconhecimento mediante a consciência da minha misericórdia, e vice versa. Agindo assim sua oração vocal será útil a ele e agradável a mim. Se perseverar em tal exercício, passará da oração vocal imperfeita à oração do espírito, a perfeita. Ao contrário, se sua preocupação continuar apenas na quantidade de preces, jamais o conseguirá. O mesmo aconteceria se abandonasse a oração mental pela vocal. Pois existem pessoas tão ignorantes que, indo orar, fazem a intenção de recitar determinadas orações vocais; nessa ocasião eu as visito de uma forma ou de outra, conforme o meu agrado ou seus desejos anteriores. Dou-lhes, por exemplo, arrependimento dos pecados; recordo-lhes meu amor; torno presente em suas mentes a pessoa do meu Filho sob variadas maneiras. Mas tais pessoas, para completar aquele número de orações, desprezam minha visita, com remorso de abandonar quanto começaram... Não deveriam tomar essa atitude! Logo que a pessoa percebe minha visita, nas modalidades de que falei, deve deixar a oração vocal. Mais tarde, uma vez cessada a oração do espírito, e, se dispuser de tempo, poderá retomar aquilo a que se propusera fazer. Na falta de tempo, despreocupe-se, não fique triste, não se perturbe. A única exceção se dá para o Ofício Divino (Liturgia das Horas) que os clérigos têm obrigação de recitar sob pena de pecado. É obrigação dos clérigos dizê-lo até a morte. Quando os clérigos sentirem tais visitas na hora do Ofício, conservem o espírito elevado no amor e tomem a decisão de recitar o ofício no momento ou depois, mas não devem faltar à própria obrigação.
Em qualquer outra oração, a pessoa deve começar pela vocal, passando depois à mental. Faça-o logo que sentir o espírito bem disposto. Tal maneira de agir conduzirá o orante à perfeição do amor. Não se despreze, pois, a oração vocal, qualquer que seja ela. Siga-se a orientação dada. Quem assim fizer, com esforço e perseverança, chegará à oração verdadeira e à comunhão espiritual na paixão de Cristo. Neste sentido eu disse antes (18.3.1) que alguém comunga espiritualmente no corpo e sangue de Cristo sem receber o sacramento da eucaristia. Tal pessoa comunga no amor, fato que acontece na oração em maior ou menor intensidade, de acordo com o amor do orante. Quem age com pouca prudência cristã, pouco achará; quem age sabiamente, muito encontrará.Quanto mais o homem desvencilhar sua afeição e prendê-la a mim, mais me conhecerá, mais me amará, mais me experimentará. Como vês, não é pela quantidade de palavras que se chega à oração perfeita, mas pelo amor e conhecimento de mim e de si mesmo, cada um desses conhecimentos completando o outro.
A oração vocal e mental hão de ser praticadas contemporaneamente, pois andam juntas como a vida ativa e a contemplativa. A oração vocal e mental podem ser entendidas de diversas maneiras. Já falei do desejo santo; ele constitui a oração contínua e consiste na posse de um amor reto e santo. Quando esse desejo santo aparece no ambiente e horário da prece, temos a oração vocal (com desejo santo) obrigatória; outras vezes, será a oração vocal (com desejo santo) espontânea. Será uma oração contínua, adaptada às necessidades da salvação do próximo e ao estado de vida do orante. Todos os homens devem trabalhar em prol da salvação dos outros no próprio estado de vida, por obediência ao princípio do amor santo. Os ensinamentos e as atividades que alguém realize constituirão uma oração em atos, supondo-se que tal pessoa cumpra suas orações obrigatórias. Tudo o que fizer além desta oração obrigatória, seja em favor do próximo como de si mesma, será oração. Como dizia o glorioso apóstolo Paulo, não pára de orar quem não cessa de praticar o bem. Por isso te disse que a oração se realiza de diversas maneiras, seja a vocal como a mental; quando realizada no amor, constitui a oração contínua, pois a caridade é oração.
Desse modo acabei de explicar-te como se chega à oração mental. É preciso exercitar-se com perseverança na oração, passando da vocal para a mental quando "visito" a alma. Disse como é a oração comum e a espontânea,bem como a oração da vontade santa e da atividade em favor de si mesmo ou dos outros, realizada por amor fora dos momentos reservados para a prece.
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