domingo, 25 de agosto de 2013

Papolatria.


Papolatria

Marco Bongi



Com o termo "papolatria" deliberadamente exagerado para evidenciar claramente as distorções, eu não quero absolutamente pôr em causa o sentido de respeito, a justa reverência, a docilidade ao Magistério e nem mesmo a obediência devida ao Santo Padre quando exerce, em matéria de fé e moral, seu ensino supremo. Nem se quer ignorar ou diminuir o Primado de jurisdição ou o poder de governo direto sobre a Igreja, que a doutrina da Igreja Católica sempre reconheceu ao Sumo Pontífice.

Antes, eu estou me referindo, e espero que os críticos vão me desculpar, a uma generalizada postura psicológica, muito em voga no mundo católico, tanto entre o clero como entre os chamados "leigos engajados", o que leva, seja como for, sempre a louvar, além de todos os limites da decência intelectual, qualquer ato, conduta ou estilo de ação do Papa, apresentando-os invariavelmente, como o melhor possível, o mais justo em absoluto, o mais correto, a mais acertada solução possível para com a situação daquele momento.

Quem não se deparou com comentários do tipo:

 " Realmente comoventes e significativas as palavras da primeira saudação do Papa Francisco do balcão da bênção na noite de sua eleição: Boa noite ..." ou, para não inferir apenas sobre o Pontífice reinante, como avaliar os elogios excessivos, escritos e pronunciados muitas vezes pelos mesmos observadores, que julgaram da mesma forma como "heroico", "corajoso" e "um sinal de profunda fé no Onipotente", seja a escolha de João Paulo II de resistir até a morte na Cátedra de Pedro e a atitude diametralmente oposta de Bento XVI de apresentar a sua demissão?

Tinham passado, afinal, apenas oito anos, difícil portanto, invocar a mudança no contexto histórico.

Confrontados com contradições como essas, os interlocutores ficam muitas vezes desconfortáveis, mas não se desarmam. Eles invocam a diferença no contexto histórico, a diversidade de vocações e, sobretudo, mais e mais frequentemente, o argumento de sabor claramente relativista, que inevitavelmente leva a definir bom e justo, na mesma medida, também posturas claramente opostas e antitéticas.

Bento XVI exigia que os comungantes recebessem a Eucaristia ajoelhados. Papa Francisco nem sequer se ajoelha na consagração ... Será? O que há de errado? São excelentes ambos os comportamentos ... Enfatizam apenas dois aspectos complementares da mesma verdade!

João Paulo II organizava viagens espetaculares e grandiosas sem poupar nenhuma despesa. Papa Francisco traz sua mala no avião ostentando uma pobreza que toca o pauperismo ... São apenas dois modos "aparentemente" diversos de viver o Cristianismo ... Cada um tem sua própria personalidade e Deus certamente, queria deles o que, naquele momento, eles fizeram.

Mas, podemos continuar: Bento XVI gostava tanto da música de Mozart ... A tocava sempre com o piano instalado no apartamento pontifício ... Ele ficava contente de assistir alguns concertos de música clássica.

Papa Francisco não só tem, de forma clamorosamente dramática, “dado o pacote" para aqueles que haviam organizado um concerto em sua homenagem, mas parece mesmo que se justifica dizendo desdenhosamente, não se sentir como um príncipe da Renascença.

E que fazem os nossos comentaristas? Há dois anos nos davam a seguir, com a exaltação da "profunda sensibilidade" do sucessor de Pedro, a sensibilidade que se manifesta poderosamente em amor pela música. Hoje, os mesmos personagens, têm prazer no sentido prático expresso pelo bispo de Roma, que o levou a desprezar ornamentos inúteis e cerimoniais anacrônicos.  

Compreendamos bem. Papas sempre diferiam muito um do outro, pelo caráter, personalidade e estilo de vida. O asceta Celestino V levou uma vida diametralmente oposta ao decidido Bonifácio VIII. O tímido Clemente XIV não se assemelha em nada ao valente Gregório VII. E o que dizer do mundano Alexander VI em relação ao piíssimo São Pio V?

Não é certamente este o problema. A questão está em bem outros termos.

Ninguém pode me acusar de não sentir "cum Ecclesia" se eu dissesse, por exemplo, que Calisto III  provavelmente foi um simoníaco; que Alexandre VI levava uma vida amoral; que Clemente XIV  se mostrou fraco quando dissolveu a ordem dos jesuítas, que os papas de Avignon eram propensos aos desejos do rei de França; que Urbano VIII estava errado, na verdade eu não o penso, em condenar Galileu Galilei. Alguma crítica, no entanto, é possível formulá-la, sem correr o risco de "excomunhão", até, e absolutamente não depois, de Pio XII. De 1958 para a frente, em vez ... ai de quem ousasse ventilar, ainda que timidamente, até mesmo uma pequena reserva sobre os Papas sucessivos!

Todos perfeitos, todos os insuperáveis, todos os santos! Dentro de alguns séculos certamente muitos rirão de nosso conformismo oblíquo e acrítico.

Será bajulação? Será só pouca vontade de se envolver? Será, especialmente para jornalistas e escritores que ... "Tenho família ..."?

Em conclusão, podemos de qualquer modo serenamente afirmar que este nivelamento intelectual não tem nada de autenticamente católico. Uma coisa é o respeito às doutrinas proclamadas e ao Magistério constante do Romano Pontífice; uma coisa é a obediência aos comandos dados, a fim de defender e transmitir o Depósito da Fé.

Bem outra o servilismo obtuso, a adulação descarada, a exaltação incondicional.

Além disso, na minha opinião, essas atitudes intelectuais, além de que fazem perder autoridade a quem as propõe, acabam também por levar, mais cedo ou mais tarde, à ladeira que leva ao indiferentismo. Quando, de fato, o valor de uma declaração ou comportamento depende, em última instância, não do conteúdo intrínseco dos mesmos, mas da pessoa que os faz, se arrisca de não ser capaz de distinguir o que é verdadeiramente justo e verdadeiro do que é errado e, portanto, falso. 

O juízo não se baseia, de resto, em fatores objetivos, mas, essencialmente, sobre aspectos legais exclusivamente ou quase exclusivamente, à pessoa e ao papel que desempenha.

Felizmente, os grandes santos, eles sim, verdadeiramente católicos, nos ensinaram a fugir do "cristianismo de sacristia". São Paulo, Santo Atanásio e São Catarina de Siena amavam tanto o sucessor de Pedro que, por amor e autêntica caridade para com ele, não lhe negaram  também advertências e repreensões. 
 

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