sexta-feira, 9 de maio de 2014

18 . DEUS PAI EXPLICA COMO ATINGIR A PERFEIÇÃO (Cont. 7)

18 . DEUS PAI EXPLICA COMO ATINGIR A PERFEIÇÃO (Cont. 7)

18.5.5 - O exemplo de Paulo.
Quando elevei Paulo ao terceiro céu nas profundezas da Trindade (2Cor 12,2-4), ele teve a experiência do meu poder, recebeu a plenitude do Espírito Santo e apreendeu a mensagem do Verbo encarnado. Como acontece com os bem-aventurados, sua alma uniu-se intimamente a mim. Mas continuava no corpo. Quis fazer dele um vaso de eleição no abismo da Trindade (At 9,15). Como não mais poderia padecer se fosse revestido da minha paternidade, despojei-o de mim mesmo e pus diante do seu espírito o meu Filho crucificado; infundi nele sua mensagem, acorrentei-o no fogo da caridade mediante a clemência do Espírito Santo. Qual vaso reformado, Paulo não opôs resistência ao ser ferido na estrada de Damasco. Apenas perguntou: "Senhor meu, que desejas que eu faça? Haverei de realizar teu desejo" (At 22,10). Respondi colocando Jesus crucificado diante dos seus olhos e revelando-lhe sua mensagem. Iluminado, arrependido e repleto de amor, ele desprezou seus pecados e assumiu a mensagem de Cristo crucificado. De tal forma a estreitou a si que, como ele mesmo diria mais tarde, dela ninguém o separaria: nem a tentação, nem os demônios, nem o aguilhão na carne, para que progredisse na graça e no merecimento. Como havia experimentado a profundeza da Trindade, ocorria humilha-lo. Assim dificuldade ou acontecimento algum o conseguiam demover de Cristo e sua mensagem; pelo contrário, mais o aproximavam. E Paulo, de tal modo os abraçara, que lhes deu sua vida e, revestido de Cristo, retornou a mim, Pai eterno.
Foi desse modo que Paulo fez sua experiência de união no amor, sem a separação da alma com o corpo. Ao voltar a si (do êxtase), revestido de Cristo crucificado, sentia-se imperfeito, comparando com a caridade que vislumbrava em mim e nos santos do céu. Parecia-lhe que o peso do corpo impedia a perfeição do amor e a realização dos desejos próprios do além-morte. Sua memória era débil e incapaz de acolher e recordar naquele grau que acontece aos santos. Vivendo no corpo, sentia a lei perversa que lutava contra o espírito; tal combate não o levava ao pecado, como expliquei naquelas palavras: "Paulo, basta-te a minha graça", mas impedia a suma perfeição de ver a minha essência. Por isso ele exclamava: "Infeliz de mim, quem me livrará deste corpo? Trago nos ombros uma lei perversa, que luta contra o espírito". E tinha razão! Devido à imperfeição do corpo, a memória fica diminuída, a inteligência não consegue ver minha essência, a vontade permanece retida sem experimentar-me - Deus eterno que sou - isenta de dor. Falava com exatidão Paulo ao afirmar que existe no corpo uma lei perversa a lutar contra o espírito. Aliás, essa é a mesma razão por que meus servidores do terceiro e quarto estado, perfeitamente unidos a mim, também clamam desejando libertar-se do corpo. 

18.5.6 - O desejo da morte.

Os perfeitíssimos não temem a morte; até a desejam. Desprezam o próprio corpo, fazem-lhe guerra, renunciam ao natural cuidado com ele; têm pouco amor à vida física e muito amor por mim. Eles suspiram pela morte, dizendo: "Quem me separará deste corpo (Rm 7,24)? "Desejo partir e ir estar com Cristo" (Fl 1,23). Ou então: "A morte é minha aspiração e, a vida, eu a suporto com paciência" (Fl 1,21; Rm 8,23). Sublimada na união, a alma deseja ver-me e glorificar-me. Quando volta a si, readquirindo suas sensações, fica impaciente fora do êxtase, distante da convivência com os santos que me glorificam, em meio a pecadores que tanto me ofendem. A pessoa retorna às sensações corporais, porque antes elas haviam sido arrebatadas no ímpeto do amor, quando o espírito se vê mais unido a mim que ao corpo. Disse que o corpo não aguenta uma união extática contínua. Por esta razão afasto-me da pessoa. Ela não perde a graça; continua a sentir as consolações sensíveis e espirituais, o que não acontecia no segundo e terceiro estados. Agora retiro-me somente quanto à união; mas volto depois com maior intensidade de graça e união, com maior conhecimento da minha verdade, que se revela à pessoa. É justamente quando me afasto para que o corpo volte ao seu normal, que o perfeitíssimo sentirá a impaciência. Ao ver os pecados que me ofendem, sua dor é cruel. Por tal motivo e pelo desejo de rever-me, a vida lhe parece insuportável. Mas como sua vontade se identificou com a minha, conforma-se ao que desejo. Embora suspirando por mim, permanece no corpo ao mesmo tempo alegre e sofredor, porque tal é a minha vontade. Tudo aceita por minha glória e pela salvação dos homens.
Com tal modo de se comportar, em nada se afasta de mim. Inflamados de amor, transformados em Cristo crucificado, correm céleres pela porta-mensagem do meu Filho, alegres nos sofrimento e dificuldades. Equilibram-se neles a alegria e a dor: tanto se rejubilam quanto sofrem! A presença de grandes lutas constitui até um lenitivo para o desejo de morrer. Realmente, muitas vezes a vontade de sofrer mitiga a dor proveniente da espera da morte. Estes, que estão no quarto estado, além de tolerar os sofrimentos com paciência - como ocorria no terceiro estado - alegram-se nas contradições. Se sofrem, ficam contentes; se não sofrem, ficam tristes. Neste último caso, temem que eu os esteja recompensando nesta vida por suas boas obras ou que não me seja agradável o ímpeto de seus desejos. Rejubilam-se quando permito grandes dificuldades, pois acreditam-se participantes dos sofrimentos de Cristo. Caso lhes fosse permitido praticar as virtudes na tranquilidade, não o aceitariam; acham melhor alegrar-se na cruz com Cristo, adquirir as virtudes na luta, do que alcançar o céu por outras formas. Por que razão? Por que se afogaram no sangue e nele acharam o amor, essa chama que procede mim e que arrebata o coração e espírito no sacrifício dos desejos. Eleva-se a inteligência na contemplação da minha divindade, a vontade a segue, alimenta-se de mim, une-se a mim. É o conhecimento infuso, que concedo àqueles que realmente me amam e servem.

18.5.7 - O conhecimento infuso.

 Foi com essa iluminação que Tomás 85 adquiriu grande sabedoria. iluminados por meu Filho, Agostinho, Jerônimo e outros santos doutores compreenderam a verdade nas trevas. Naqueles tempos a Escritura parecia obscurecida; não por deficiência sua, mas pela incapacidade dos leitores, que não a compreendiam. Então eu os enviei como lâmpadas para iluminar os homens de vista curta e inteligência fraca. Nas trevas, eles aplicaram suas inteligências na procura da minha verdade. Vendo seus esforços, eu iluminei-os com a luz sobrenatural e eles compreenderam. O que parecia obscuro, tornou-se claro para todos, cultos e incultos. Cada pessoa recebe tal luz conforme suas aptidões e disposições. Respeito as pessoas. Como acréscimo à luz da razão, a inteligência é iluminada por uma luz infusa, proveniente da graça. Foi com essa segunda luz infusa e sobrenatural que os doutores da Igreja e demais santos conheceram a verdade, transformando a escuridão em claridade.
Como a inteligência é anterior à Escritura, é dela que provém a sabedoria necessária para sua compreensão. Foi tal modo que os santos profetas entenderam e falaram sobre a encarnação e morte de meu Filho; que os apóstolos foram sobrenaturalmente iluminados com a vinda do Espírito Santo em pentecostes; que os evangelistas, doutores, confessores, virgens e mártires acolheram brilhante luz. A seu modo, cada um deles a recebeu de acordo com as necessidades da salvação - pessoal e dos outros -, e da interpretação das Escrituras: os doutores esclareceram a mensagem de Cristo pela sabedoria; os apóstolos pela pregação; os evangelistas, escrevendo-a; os mártires testemunhando, com seu sangue, a luz da fé e a riqueza da paixão de Cristo; as virgens obedecendo. Pela obediência, amor e pureza, estas últimas revelaram a perfeita humildade do meu Filho, que por obediência correu para a terrível morte na cruz.
Toda revelação, contida nos oráculos dos profetas do Antigo Testamento e nos escritos do Novo, for compreendida mediante essa luz infusa, sobrenatural. Sim, também no Novo Testamento a vivência evangélica foi dessa forma revelada aos cristãos. Sendo uma só a fonte, isto é, provindo da mesma iluminação, a Nova Lei não suprimiu a Antiga, mas acrescentou-se a ela. Retirou-lhe a imperfeição. A Antiga fundamentava-se no temor do amor. Em lugar do temor servil, do medo dos castigos, inseriu o amor filial. Disse ele que não viera anular a lei de Moisés. Quando disse: "Eu não vim abrogar a lei, mas levá-la à perfeição" (Mt 5-17), queria significar: "A lei de Moisés é imperfeita; eu a aperfeiçoo no meu sangue. Vou retirar-lhe o temor servil e dar-lhe o que não possui, o amor, o temor filial".
Quem manifesta isso? A luz sobrenatural da graça, algo superior à luz da razão, que é concedida a quem o deseja. Toda claridade proveniente das Sagradas Escrituras sempre procedeu e ainda procede dessa luz. Em sua presença cegam-se os sabichões ignorantes, pois o orgulho e o egoísmo constituem uma nuvem de fumaça que esconde e afasta o saber infuso. Esses tais compreendem a Escritura literalmente, não no seu sentido profundo. Apreciam-lhe a letra após longos estudos, mas não penetram seu espírito. O motivo é este: eles desprezam a luz com que a Bíblia foi escrita e explicada. Maravilham-se mesmo, e põem-se a murmurar quando vêem pessoas sem estudo e rudes, extremamente iluminadas no conhecimento das Escrituras, como se tivessem estudado muito. Na realidade, não há maravilha nisso. Tais pessoas rudes possuem a fonte principal donde brota a sabedoria, enquanto aqueles soberbos, por desprezar a luz descrita acima, ignoram minha bondade e a iluminação infusa pela graça nos meus servidores.
Por esse motivo eu te digo que, nos assuntos da santificação da alma, é melhor aconselhar-se com uma pessoa rude, mas dotada de uma consciência reta e santa, do que com um literato orgulhoso. Cada um dá o que possui. Vivendo no pecado, os literatos orgulhosos apresentam a luz das Escrituras envolta em trevas, ao passo que meus servidores, devido à luz que possuem, falam do que têm, com autêntico desejo da salvação.
Falei-te a respeito de tudo isso, minha filha querida, para mostrar-te como é a perfeição do estado de união.
Nele a inteligência é sublimada pelo fogo do amor e iluminada sobrenaturalmente; como a vontade segue a inteligência, a pessoa me ama. Quanto maior o conhecimento, maior o amor, e vive-versa. Uma coisa alimenta a outra. Com tal luz, a alma chega à visão eterna, quando me conhecerá e gozará em mim. Isso acontece, com expliquei ao tratar da felicidade dos santos, quando a alma separar-se do corpo. Este é um estado de vida extraordinário. Embora sujeito à morte, o homem já vive entre os bem-aventurados. Frequentemente entra em êxtase. Sem saber se está no corpo ou fora dele, a alma experimenta a certeza do céu, seja devido à união que mantém comigo, seja pela morte da vontade própria. Aliás, foi essa "morte" da vontade que possibilitou a união. Livre desse "inferno" que é a vontade própria - certeza de condenação para quem vive segundo a sensualidade - o homem saboreia a vida eterna.

18.6 - Sumário e exortação.

Desta maneira teu espírito compreendeu e o ouvido interior escutou de mim, verdade eterna, como deves agir para utilidade tua e do próximo relativamente à verdadeira mensagem. Inicialmente afirmei (2.2) que é pelo autoconhecimento; não um conhecimento somente de ti mesma, mas também da minha presença em ti. Mediante este duplo conhecimento, ficas humilde, desprezas a ti mesma, descobres o fogo do amor por mim e pelos homens, começas a trabalhar pelos outros ensinando e dando bons exemplos. Em seguida eu te falei ponte, como ela é. Discorri sobre os três degraus nas faculdades da alma (16.1) e expliquei como é impossível conseguir a vida da graça sem percorrer os três degraus "unificando" (16.3) em mim as faculdades. Também falei (18) sobre os três estados da alma, simbolizando-os no corpo de meu Filho. Disse que ele fez do seu corpo uma escada com os pés cravados, o costado aberto, a boca onde está a quietude e a paz. Falei sobre as imperfeições do amor servil e interesseiro, sobre a perfeição do terceiro estado próprio daqueles que atingem a boca de Cristo, após ter percorrido com desejo santo a ponte-mensagem de Cristo crucificado; galgaram os três degraus gerais, unificando as três faculdades da alma e, por conseguinte, todas as sua atividades, em mim, como foi explicado (16.1). Também discorri sobre os três degraus particulares (ou atuais), percorridos na passagem do estado imperfeito ao perfeito. Viste como os perfeitos correm no bem; sentiste a perfeição da alma adornada de virtudes; os enganos pelos quais passa antes de aperfeiçoar-se, caso não pratique o autoconhecimento no momento oportuno. Também falei dos infelizes que se afogam no rio do pecado (14), fora da ponte-mensagem de meu Filho, construída por mim para salvar-vos; como loucos eles preferem envolver-se nas misérias e sujeiras do mundo.
Expliquei tudo isso para aumentar a chama do teu desejo santo, tua compaixão e dor por causa da condenação eterna dos homens; desejo que a caridade te obrigue a abraçar-te comigo em lágrimas e suor. Naquelas lágrimas que brotam da oração humilde e contínua, e que me são oferecidas com ardentíssimo desejo. Quero que além de ti, muitas outras pessoas - ao ouvir tais coisas sejam levados a orar obrigando-me a usar de misericórdia para com o mundo e para com a hierarquia da santa Igreja pela qual tanto suplicas. Como deves recordar, afirmei (2.11) que escutaria vossos pedidos, confortar-vos-ia nas lutas, faria frutificar vossos desejos, enviando pastores bons e santos para a reforma da santa Igreja. Disse (4.4) que não é pela guerra, pela espada e pela crueldade que isso acontecerá, mas com a paz, a tranquilidade, as lágrimas e os suores dos meus servidores. Eis a razão por que vos coloquei a trabalhar por vós mesmos, pelos demais cristãos e pela hierarquia da santa Igreja. Quanto a vós mesmos, deveis praticar as virtudes; quanto aos outros e à hierarquia, dareis bons exemplos, ensinareis, oferecereis orações contínuas e praticareis o bem segundo o modo como expliquei (2.7), já que todo ato bom ou mal se realiza no próximo. Quero que sejais úteis aos outros; tal é a maneira de produzirdes frutos em vossa vinha pessoal.
Não cesseis de oferecer-me o incenso perfumado de vossas preces pela salvação da humanidade! Quero perdoar ao mundo, quero lavar a face da santa Igreja com vossas orações, suores e lágrimas. Mostrei-te minha Esposa na figura de uma jovem com o rosto conspurcado, como que leprosa, por causa dos defeitos da hierarquia e de todos os cristãos. Mas sobre tais pecados falarei depois. 

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