quinta-feira, 1 de maio de 2014

18 . DEUS PAI EXPLICA COMO ATINGIR A PERFEIÇÃO (Cont. 6)

18 . DEUS PAI EXPLICA COMO ATINGIR A PERFEIÇÃO (Cont. 6)

18.5.4 - A união extática.
Afirmei que os perfeitíssimos jamais perdem o consolo da minha presença. Afasto-me deles, porém, num outro sentido. Dado que a alma, ainda unida ao corpo, não consegue suportar continuamente a união comigo, afasto-me dos perfeitíssimos quanto a tal união, embora permaneça neles pela graça e pelas consolações do espírito. Impulsionado por grandes desejos de amar, o perfeitíssimo pratica as virtudes e caminha célere na mensagem de Cristo crucificado; elevando-se espiritualmente, atinge na caminhada da ponte aquela porta que é Jesus; inebria-se no sangue, arde no fogo da caridade, experimenta a minha própria divindade. Nesse oceano de paz realiza a união. Já não faz nenhum movimento fora de mim. Morando entre mortais, goza da felicidade dos bem-aventurados; no corpo, adquire a leveza dos espíritos angélicos. Frequentemente o corpo se eleva do chão pela força da união; torna-se leve. Seu peso natural permanece, mas a união da alma comigo fica mais profunda do que com o próprio corpo. Dessa forma, a força do espírito humano, unido a mim, eleva o corpo do chão. Fica imóvel, inteiramente arrebatado no anseio da alma. Algumas vezes chega-se a tal ponto - conforme algumas pessoas o disseram - que o corpo morreria, se não lhes fosse dadas forças para sobreviver. Afirmo-te mesmo que o fato de a pessoa não morrer em tal união é um milagre maior do que ressuscitar um morto!
Costumo fazer cessar durante algum tempo esse estado de união. A alma como que retorna ao corpo e este readquire suas sensações. Na realidade, a alma não estivera fora do corpo; a separação acontece unicamente por ocasião da morte. Foram as faculdades que ficaram alienadas devido ao ímpeto do amor: a memória de tudo se esquecera, menos de mim; a inteligência ganhara novas alturas na meditação sobre a minha divindade; a vontade; nas pegadas da inteligência, unira-se ao objeto da inteligência. Durante a união extática, as faculdades fundem-se, imergem-se, inflamam-se em mim, enquanto o corpo perde as sensações. Vendo, a pessoa (no êxtase) nada enxerga; ouvindo, nada escuta; falando, nada diz. A não ser que alguma vez eu permita que fale da abundância do coração, para desafogar-se e glorificar o meu nome. Tocando, a mão não sente; movendo-se, os pés não caminham. Todos os membros ficam como que ligados pela corrente do amor; tal situação dos sentidos é submetida à razão, que os congrega no amor do espírito. Contrariando a própria tendência natural, os perfeitíssimos clamam diante de mim que os leve, que separe a alma do corpo. Dizem como São Paulo: "Infeliz de mim! Quem me afstará deste corpo? Tenho em mim uma lei perversa que combate contra o espírito" (Rm 7,24.23).
Com tais palavras, Paulo não se referia propriamente a uma oposição entre a sensibilidade e o espírito, pois eu o tranquilizara, afirmando-lhe: "Paulo, basta-te a minha graça"(1Cor 12,9). Por que falava daquele modo, então? Por sentir-se retido no corpo, impedido de ter a minha visão até à morte. Seu olhar estava cerceado, impossibilitado de ver a Trindade eterna, na visão dos bem-aventurados, que me glorificam continuamente. Via-se, Paulo, entre os mortais que me ofendem, impedido de contemplar a minha essência.
Realmente Paulo e todos os demais servidores meus vêem-me e experimentam-me no amor da caridade. Isto lhes acontece de diversos modos, conforme o quero. Não vêem, porém, a minha essência. Todo conhecimento concedido durante esta vida mortal não passa de escuridão, comparado com a visão da alma separada do corpo. Esta a razão por que Paulo afirmava que a carne combate a visão do espírito. Queria ele dizer que a lentidão dos sentidos impede minha visão face a face. Parecia-lhe que a vontade não consegue amar quanto deseja, uma vez que todo amor é imperfeito antes de atingir sua plenitude.
 O que foi dito, não significa que se trate de um amor imperfeito quanto à graça e à perfeição da caridade, seja em Paulo como nos meus servidores. Sob tal ponto de vista era um amor perfeito, faltando apenas a saciedade total do céu. Eis o motivo da sua insatisfação. Não sofreria Paulo, se os seus desejos estivessem saciados. Enquanto se acha no corpo, o amor humano não possui inteiramente o objeto amado; por isso, sofre. Quando a alma se separar do corpo, seus desejos se cumprem e o sofrimento cessa. Sim, separada do corpo, a alma sentir-se-á realizada e sem fastio; continuará desejando, sem padecer falta alguma. Então, estará repleta de minha verdade, possuirá quanto deseja: querendo ver-me, terá a visão da minha face; querendo contemplar a minha glória nos anjos e santos, ser-lhe-á mostrada. Terá um conhecimento perfeitíssimo, seja da minha glória nos bem-aventurados, seja em todas as criaturas da terra, pois todos os homens, queiram ou não, rendem-me glória.
A humanidade não me glorifica como deve, não me dedica um amor superior a todo outro amor. Assim mesmo, dela retiro o louvor que me é devido. Refulge nos homens minha misericórdia e minha caridade, pois sou paciente, concedo-lhes tempo de viver, não ordeno à terra que os devore quando pecadores. Pelo contrário, contemporizo, faço o solo produzir frutos, o sol iluminar e aquecer, o firmamento girar. Sou misericordioso para com todos os seres criados para o homem. Condenando o pecado, não privo os homens dos bens criados; concedo-os ao justo e ao pecador. Algumas vezes, dou-os mais a pecador e privo o justo de bens materiais se o considero preparado para isso, na intenção de dar-lhe mais abundantemente os bens do céu.
O amor misericordioso refulge nos meus servidores na hora das perseguições contra eles movidas pelos seguidores do mundo. Tais perseguições são oportunidades para que demonstrem amor e paciência. Ao sofrer, eles me louvam com orações contínuas e humildes; dessa forma, até os perseguidores, mesmo sem querer, rendem-me glória. Nesta vida, os maus fazem crescer a virtude dos bons. Assim como os demônios, no inferno, atuam minha ação justiceira sobre os condenados, os perseguidores deste mundo promovem os bons. Também os demônios o fazem mediante lutas e tentações; ao induzir os mesmos a se ofenderem, a furtarem-se uns aos outros, os demônios pretendem levá-los ao pecado, sobretudo privá-los da caridade. Mas acabam por fortalecer meus servidores, pondo à prova sua paciência, fortaleza e perseverança. Desse modo, até os demônios me glorificam, realizando quanto eu planejara. Criei-os para que me louvassem, para que participassem de meu esplendor. Cheios de orgulho, rebelaram-se e decaíram, foram privados da minha visão. Já que não me dão glória pelo amor, aproveito-os como instrumentos para exercitar meus filhos na prática das virtudes; também como promotores da minha justiça no inferno; e ainda entre os que passam pelas penas do purgatório. Glorificam-me, não como cidadãos do céu - privados que estão da vida eterna - mas como executores da justiça junto aos condenados no inferno e aos que estão no purgatório.
Uma vez separada do corpo, a alma humana compreende que todos, mesmo os demônios, me louvam; ao atingir a meta final, vê claramente e entende toda a verdade. Ao ver-me, ama-me, e tal amor lhe dá a plenitude da verdade. Sua vontade une-se à minha e assim não mais padecerá. Já atingiu tudo quanto desejava. Como afirmei acima, a alma separada do corpo vê minha glória nos bem-aventurados, em todos os seres, mesmo nos demônios. Já não lhe produzem sofrimento as ofensas que se cometem contra mim e que antes lhe causavam tristeza. Sente, todavia, compaixão pelos pecadores; ama-os; intercede por eles. Cessou a dor, não o amor. Foi o que se deu com meu Filho quando estava pregado na cruz; com a horrível morte, cessou a dor causada pelo seu ardente desejo de salvar a humanidade. Esse desejo santo acompanhara meu Filho desde a encarnação até o último suspiro. Ao acabar a dor, o desejo santo continuou. Se com a morte de Jesus tivesse cessado o amor que revelei por vós em Cristo, nem existiríeis mais. Fostes criados num ato de amor; se tal amor acabasse, se eu não quisesse mais vossa existência, cairíeis no nada. Meu amor vos criou e vos conserva. Meu Filho e eu somos um. Na sua morte cessou a dor, não o amor por vós. Da mesma forma os bem-aventurados continuam a ter o desejo da salvação da humanidade, mas sem sofrimento. Tendo acabado a dor no instante de sua morte, continuam a amar; inebriados no sangue do Cordeiro imaculado, revestidos de amor pelo próximo, já passaram pela porta estreita; mergulhados no sangue de Cristo, imergiram-se em mim, oceano de paz; libertados da imperfeição insatisfeita, tornaram-se perfeitos na saciedade de todos os bens.   

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